Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog de Jamildo Como se fosse uma opereta bufa, encenada em uma republiqueta de bananas, apresentou-se aos brasileiros, na semana passada, o enredo da tentativa de golpe de dezembro de 2022, encabeçada por Jair Bolsonaro.
Deve-se o espetáculo à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de quebrar o sigilo dos 27 depoimentos prestados à Polícia Federal por militares e civis envolvidos na conspiração – a maior desde a redemocratização, em 1985.
Não há mocinhos nem bandidos na tentativa do golpe; todos são culpados, por ação ou omissão.
Se houver hierarquia na culpa, o maior culpado é Bolsonaro: o ex-presidente chegou a reunir, no Palácio da Alvorada, sua residência oficial, o ministro da Defesa e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para acertar detalhes da conspiração então em curso.
Todos cometeram crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Estima-se que Bolsonaro pode receber uma pena de 24 anos de prisão.O primeiro tempo da tentativa de golpe começou a ser tramado em 2021, quando o ex-presidente, em entrevistas, comícios e “lives”, afirmou que não haveria eleição em 2022, se não fosse adotado o voto impresso “auditável” e a apuração fiscalizada por “grupos independentes”.
Foram desse tempo as ameaças aos ministros do STF e a incrível reunião com os embaixadores estrangeiros, em Brasília, para lhes demonstrar, falsamente, a fragilidade do sistema eleitoral brasileiro.
Já em janeiro de 2022, na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, a Polícia Federal localizou a chamada “minuta do golpe”.
O documento apócrifo dava ao ex-presidente poderes para se manter no cargo; impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva; prender Alexandre de Moraes, presidente do TSE, e o senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso.
Ao longo de 2022, se intensificaram as providências do segundo tempo dos crimes, que iriam se estender até outubro, mês das eleições.
São desse período as declarações mais radicais de Bolsonaro, como elogios à ditadura de 1964; exortação à desobediência à Justiça; apoio a manifestações antidemocráticas, entre elas os acampamentos de bolsonaristas diante dos quartéis.
Sob o comando do ex-presidente, a polarização política se agravou, levando o país a uma clivagem nunca antes constatada em eleições.
Um clima de caos, que estimulava os preparativos para o golpe.
O terceiro tempo dos crimes cresce debaixo dessa conjuntura de tensão. À medida que se confirmava o favoritismo de Lula, se intensificavam as providências da conspiração.
Algumas operações tabajaras, como a tentativa de bloquear ônibus com eleitores de Lula, em rodovias federais no Nordeste; outras talvez mais eficientes, a exemplo do reforço às manifestações diante dos quartéis, para mobilizar bolsonaristas radicais, caso fosse necessário um enfrentamento nas ruas.
Ao mesmo tempo, uma quebra de braço se travava entre comandantes militares legalistas e golpistas, para decidir o caminho.
Lula venceu a eleição no segundo turno, por uma margem de 1% dos votos, e Bolsonaro não contou com o apoio suficiente dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica para dar o golpe.
Dos três comandantes, só o da Marinha colocou tropas à disposição do ex-presidente.
Seguiu-se então o roteiro: Bolsonaro não reconheceu a vitória de Lula e se refugiou nos Estados Unidos aguardando um fato novo, que o mantivesse no poder.
O fato foi a invasão do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF por vândalos bolsonaristas, o estertor do terceiro tempo da tentativa de golpe.
Haverá um quarto tempo?
Depende do tamanho com que o bolsonarismo sair do pleito municipal desse ano e da eleição presidencial de 2026.
Bolsonaro está inelegível até 2030, no entanto não está morto.
Continua sendo o maior líder da direita no Brasil, capaz de reunir quase 200 mil pessoas no centro de São Paulo e defender a anistia para os vândalos do 8 de janeiro, em Brasília.
Seu partido, o PL, tem a maior bancada na Câmara dos Deputados e preside duas das mais importantes comissões permanentes da Casa: a de Constituição e Justiça e a de Educação.
A presidente da comissão de Constituição e Justiça, Caroline de Toni, bolsonarista de raiz, defende a anistia do ex-presidente.
O quarto tempo pode também ser desencadeado pelas investigações da Polícia Federal, que continuam em todo o país.
Faltam depoimentos de oficiais; de parlamentares envolvidos na conspiração, de empresários que financiaram a tentativa de golpe e comandantes das Polícias Militares estaduais.
No Distrito Federal, por exemplo, o apoio a Bolsonaro levou à prisão todo o seu comando.
Não deve haver pressa, porém determinação e firmeza nas investigações.
O Brasil tem à frente uma possibilidade histórica: identificar, julgar e punir uma quadrilha de golpistas, encabeçada por um então presidente da República.
Trata-se de um momento único, daqueles que se vive e não se esquece, daqueles que se relembra como um momento em que se cuidou do futuro.