Por Ricardo Leitão, em artigo para o blog de Jamildo O relatório final das investigações da Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de Golpe de Estado deve indiciar ministros militares e comandantes das Forças Armadas no desgoverno de Jair Bolsonaro.
Os efeitos políticos serão poderosos, e imprevisíveis as suas repercussões.
Não por acaso, há tensão no Exército, na Marinha e na Aeronáutica.
O relatório deve ficar pronto na última semana de junho próximo.
Todos de alguma forma envolvidos alinhavam explicações que, no momento, são as mesmas: institucionalmente, as Forças Armadas permaneceram leais à Constituição; a adesão à tentativa de golpe foi de alguns oficiais, que individualmente não representam as corporações militares.
Ou seja, não é conosco, cumpridores da lei, porém com eles, quadrilha de aloprados fardados.
O relatório da PF deve trazer o nome de militares de alto coturno, que planejaram, coordenaram, executaram ou foram omissos nos preparativos da conspiração.
Se houver coragem política, é grande a possibilidade de muitos serem presos.
Depois de 1964, os militares golpistas foram anistiados, apesar de seus crimes de sangue.
Um procedimento contrário ao adotado com os golpistas do Chile, do Uruguai e do Paraguai, depois da redemocratização nesses países.
A impunidade no Brasil gerou crias como Jair Bolsonaro, defensor da ditadura, de torturadores, o pior presidente da história do país.
O nome de Bolsonaro deverá constar no relatório da PF.
Ao seu lado outros notórios golpistas, como o general Walter Braga Neto, ex-ministro da Casa Civil e ex-ministro da Defesa; o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete da Segurança Institucional; o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército; o general Estevam de Oliveira, ex-comandante de Operações Terrestres; o delegado da Polícia Federal Anderson Gomes, ex-ministro da Justiça; o coronel Mauro Cid, principal assessor militar do ex-presidente, além de outros oficiais das três Forças.
Em menor ou maior proporção, todos contribuíram para os preparativos do golpe e para o badernaço do 8 de janeiro.
Tinham um objetivo comum: impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na presidência e manter Jair Bolsonaro no poder.
O plano tornou-se tão escancarado que, em julho de 2022, em reunião no Palácio do Planalto, com 31 participantes, o assunto virou pauta.
Coube então ao general Augusto Heleno tratá-lo às claras: “Vamos agir logo, chegou a hora de virar a mesa”.
Naquele momento, já eram grandes as suspeitas da vitória de Lula na eleição de outubro.
Poucos meses depois, em dezembro, já derrotado, Bolsonaro convocou nova reunião, dessa vez no Palácio da Alvorada – residência dos presidentes em Brasília -, com a presença dos comandantes militares.
Queria lhes mostrar um documento, a chamada “minuta do golpe”, que lhe daria poderes para alterar o resultado da eleição e prender o senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso, e o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Apenas o comandante da Marinha, Almir Garnier, afirmou que seguiria na conspiração.
Entre os que provavelmente serão indiciados no relatório da PF, o general Walter Braga Neto sempre foi o mais ativo.
Buscou a adesão de outros oficiais para o golpe e estimulou os acampamentos dos bolsonaristas diante dos quartéis, uma desmoralização do Exército.
Quando soube que o então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, se recusou a apoiar a conspiração, foi peremptório: “É um cagão”.
A frase está em gravação apreendida pela Polícia Federal.
O relatório trará um problema complexo para o governo Lula, permanentemente preocupado com a estabilidade das relações com as Forças Armadas, balizadas historicamente por uma mútua desconfiança.
Ao que se sabe, não há golpistas ocupando postos militares importantes no governo petista.
No entanto, os ecos do passado ressoam.
Setores fardados conservadores, por exemplo, gostariam que fosse admitido o chamado “poder moderador” das Forças Armadas – não previsto na Constituição - que lhes daria a possibilidade de intervir no caso de conflitos entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Abespinham-se ainda mais com a ideia da recriação da Comissão Nacional sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta por Bolsonaro.
Em carta divulgada no dia 28 de fevereiro, 150 entidades de defesa de direitos humanos exigiram de Lula a recriação da comissão, compromisso público de sua campanha.
Diz um trecho da carta: “É a tradição histórica de não punir os golpistas e torturadores do passado que faz com que essas elites econômicas e setores amplos das Forças Armadas se sintam à vontade para continuar buscando soluções de força para impor seus projetos ao País, ao largo da democracia e da soberania popular”.
Não há resposta oficial do governo à carta das entidades.
No dia anterior (27), em entrevista ao programa “É Notícia”, da RedeTV, Lula evitou críticas contundentes às Foças Armadas.
Em gesto de conciliação, afirmou: “Prefiro não ficar remoendo o passado de 1964.
Acho melhor tocar o Brasil para a frente”.
Segundo denúncias, cerca de 20 mil pessoas foram torturadas durante a ditadura.
Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade listou 191 mortos e desaparecidos.
Desses, 33 tiveram depois seus corpos localizados em covas clandestinas.
No total, são 224 pessoas assassinadas, por resistirem ao golpe de 1964.
O fracasso da conspiração dos bolsonaristas terá deixado evidente que não há mais condições efetivas para um golpe no Brasil de hoje, nem apoio externo suficiente para que se concretize – como ocorreu, em 1964, com o apoio ostensivo dos Estados Unidos.
Porém conjunturas mudam.
A possível eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos pode favorecer Bolsonaro e os bolsonaristas, na corrida presidencial rumo a 2026. É imperativo se manter alerta, lutar e não recuar.
O combate entre a democracia e o arbítrio se trava sem tréguas.
Se for necessário, irá se travar contra militares golpistas, como agora ocorre.
Com a coragem de prender, julgar e punir, contudo também com a esperança de que mudanças de consciência e de comportamento poderão acontecer.