Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog de Jamildo Vítimas de bombardeios e ataques por terra das forças armadas de Israel, cerca de 30 mil palestinos - a maioria mulheres e crianças – já morreram na Faixa de Gaza.
Estima-se que mais 20 mil morrerão, quando Israel avançar para o sul do território, na tentativa de tomar a cidade de Raifa, onde se espremem 1,5 milhão de palestinos.
O possível total de 50 mil mortos se equipara ao número de soldados norte-americanos abatidos na guerra do Vietnam.
Líderes mundiais protestam.
O papa Francisco disse se tratar de “um morticínio”.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi muito além: comparou a matança em Gaza ao genocídio de 6 milhões de judeus pelos nazistas, durante a II Guerra Mundial – um tema para eles extremamente sensível.
Lula não só cometeu um erro histórico grosseiro.
Ao mesmo tempo, deu ao governo de extrema direita de Israel a oportunidade de mudar a pauta da cobertura jornalística da guerra em Gaza: não mais os milhares de mortos e feridos e sim uma “crise diplomática”, alimentada por notas oficiais ao rés do chão.
Frederico Mayer, embaixador do Brasil em Israel, foi a primeira vítima do tiroteio.
Convocado para prestar esclarecimentos por Israel Katz, ministro israelense das Relações Exteriores, se viu obrigado a ouvir uma reprimenda, diante de jornalistas, em discurso de Katz pronunciado em hebraico (idioma que o diplomata brasileiro não domina), informando-lhe que Lula passara a ser “persona non grata” em Israel.
O ministro exigiu a retratação do presidente brasileiro.
De lá para cá, Katz chegou a acusar Lula de “cuspir na cara do povo judeu”.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil respondeu com firmeza e chamou de volta o embaixador brasileiro.
No entanto, a tocaia do ministro israelense funcionou no primeiro momento.
Enquanto os jornalistas se concentravam na batalha das notas oficiais, os bombardeios sobre Gaza continuaram todos os dias e Israel aumentava o cerco sobre Raifa.
Essa sim, era a guerra real.
Israel não recebeu apoio de nenhum país importante com sua nova pauta.
Entretanto, seu governo de extrema direita – que enfrenta forte oposição interna -, conseguiu quebrar o isolamento, ao transformar Lula no inimigo dos judeus de todo o mundo e, por extensão, aliado do Hamas, grupo terrorista inimigo dos israelenses em Gaza.
O delírio, evidentemente, não vai perdurar por muito tempo.
Contudo, as fraturas geradas são preocupantes.
As relações entre os dois países estão tensionadas, ainda mais quando é certo que Lula não vai se retratar e os diplomatas não sabem de qual saída dispõem, de imediato, para evitar a consolidação de um impasse.
As relações do Brasil com Israel sempre foram regulares.
Em 1947 – na sessão inaugural das Nações Unidas, presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha – o Brasil votou pela criação de dois Estados soberanos na região palestina: Israel, formado pelos judeus reunidos depois da Diáspora, e a Palestina, formado pelos povos árabes que ocupavam historicamente a região.
A solução nunca foi aceita pela maioria dos povos árabes vizinhos, o que desencadeou logo em seguida guerras, conflitos e atentados.
O Brasil nunca foi uma peça de destaque no xadrez do Oriente Médio.
As relações com Israel não pesam expressivamente na balança comercial brasileira.
Porém, a comunidade judaica no país é articulada e influente, como demonstrou ao governo brasileiro na reação imediata de suas instituições à declaração de Lula.
Famílias judaicas estão no Brasil desde o século 16, a grande maioria fugitiva da Inquisição católica em Portugal e na Espanha.
Foram comerciantes e profissionais liberais em Pernambuco, durante a colonização holandesa, e hoje se concentram em São Paulo.
Não interessa ao Brasil romper relações diplomáticas com Israel e, muito menos, com a comunidade judaica no país.
Presume-se o mesmo da parte de Israel.
As questões são duas: quando das chamas dessa “crise diplomática” e dos arreganhos das notas oficiais só restarem cinzas, quem mediará a retomada das relações entre os governos brasileiro e israelense?
Quais argumentos poderão servir de motivo para que os dois países voltem a sentar à mesma mesa?
Os Estados Unidos – a maior força política e econômica não árabe - no Oriente Médio, aliado do Brasil e de Israel – teria condições de ser o mediador.
E o fim da matança em Gaza, pela qual reza até o papa Francisco, seria o motivo para a retomada dos entendimentos, neles incluindo-se a libertação dos reféns capturados pelo Hamas.
Mas não se alimentem miragens no deserto.
Os conflitos e as guerras entre israelenses e palestinos ensanguentam o Oriente Médio há quase 80 anos, ou seja, três gerações.
A solução dos dois Estados é defendida pelas Nações Unidas, pela União Europeia, pelo Reino Unido, pela União Africana, pelos Estados Unidos, pela Rússia, pela China e dezenas de outros países de várias regiões.
Contudo nunca se tornou realidade.
A matança em Gaza torna tudo ainda mais difícil. É extremamente trágico e triste constatar que a violência, nas suas diversas manifestações, vai continuar.
As imagens dos corpos de crianças e mulheres mortas sob os destroços dos bombardeios permanecerão como testemunhas da desumanidade e da incapacidade de se alcançar alguma paz.