“Nosso sistema penal está sobrecarregado.

Há muitas pessoas presas, muitas delas sem necessidade”.

A analise é do advogado criminalista, doutor em direito penal e autor do livro Política Pública Criminal – Um Modelo de Aferição da Idoneidade da Incidência Penal e dos Institutos Jurídicos Criminais, José Carlos Abissamra Filho.

Para ele, a fuga de dois detentos da Penitenciária Federal de Mossoró (RN), no último dia 14, e de 17 da Penitenciária Dom Abel Alonso Núñez, em Bom Jesus (PI), no dia 19, é um reflexo dessa realidade. “Isso leva a ocorrência de falhas com maior frequência”, diz.

Segundo dados do Ministério da Justiça, de janeiro a junho de 2023, o Brasil contava com 649.592 pessoas presas em unidades prisionais e mais 190.080 pessoas em prisão domiciliar, somando quase um milhão de pessoas.

Segundo o especialista, esses dados são estáticos, ou seja, não identificam pessoas que eventualmente tenham entrado e saído do sistema rapidamente.

Portanto, a saída de uma pessoa pode ter sido compensada pela entrada de outra nesse mesmo período (de janeiro a junho de 2023), de modo que o número pode ser ainda maior.

Além dessas quase um milhão de pessoas presas, há ainda, segundo dados do CNJ, 331.507 mandados de prisão não cumpridos, sendo que o número de vagas em unidades prisionais no Brasil é de 481.835. “Os números são claros: o nosso sistema trabalha com o dobro da sua capacidade, o que é, ao mesmo tempo, causa e efeito da sua falta de eficácia e de tantas falhas”. “Precisamos reorientar o sistema, focando nos crimes graves, especialmente naqueles praticados mediante violência, e deixar de prender quem não precisa estar preso”, destaca o criminalista. “Precisamos desafogar urgentemente o sistema para que falhas como essas, com a fuga de pessoas, não aconteçam.

Os nossos agentes penais e os nossos policiais estão sobrecarregados, assim como a Justiça de uma forma geral.

Há muitos jovens presos com pouca quantidade de drogas, que são objeto de abordagem cotidiana do nosso policiamento (ostensivo ou investigativo), e talvez, a partir de um novo olhar sobre a segurança pública, não deveriam ser prioridade.

Se vamos manter a Guerra às Drogas, precisamos urgentemente reorientá-la, para que busque quem realmente causa os grandes distúrbios sociais”, afirma. “O Brasil carece, de forma crônica, de um projeto idôneo de segurança pública, ainda que destaque que hoje vê um clima para um pacto nacional pelo desenvolvimento de um projeto consistente de política pública criminal.

Para se chegar a isso, deve-se passar pelo rearranjo do sistema jurídico penal, para que opere com mais funcionalidade. “Sem funcionalidade, não há como superar a sensação de que estamos enxugando gelo”, finaliza.