Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog de Jamildo Não bastasse a volta da dengue, ressurge outra praga: evocando o lema fascista “Deus, pátria, família e liberdade”, Jair Bolsonaro convocou manifestação, no próximo domingo, em São Paulo, “em defesa do nosso Estado Democrático de Direito”.
Pede que todos vistam verde-amarelo, o que demonstra pouca memória.
Apelo igual foi feito pelo ex-presidente Fernando Collor, em 1992, tentando escapar do impeachment.
Uma multidão foi às ruas, é verdade, mas todos vestiram preto, simbolizando o luto nacional em protesto contra a corrupção no governo do “caçador de marajás”.
No caso de Bolsonaro, a questão não é um impeachment, mas a prisão.
Acumulam-se evidências, nas investigações da Polícia Federal, de que o ex-presidente participou, com todo destaque, da articulação de um golpe de Estado para derrubar Luiz Inácio Lula da Silva da Presidência da República.
Nela contou com o apoio de ex-ministros de seu desgoverno; generais de quatro estrelas; comandantes das Forças Armadas; e assessores diretos.
No dia 30 de dezembro de 2022, a bordo do avião presidencial, fugiu para os Estados Unidos (para onde já enviara R$ 800 mil).
Lá aguardou os desdobramentos dos atentados bolsonaristas do 8 de janeiro.
A prisão de Jair Bolsonaro será a culminância de uma extensa folha corrida golpista.
Ao longo de seu mandato, o ex-presidente questionou a segurança das urnas eletrônicas e a validade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); agrediu com palavrões os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF); discursou a favor de bolsonaristas que exigiam a volta da ditadura militar; no 7 de setembro de 2021 e 2022, ao se dirigir a multidões em Brasília e em São Paulo, colocou em dúvida a realização das eleições; exigiu o voto impresso e chegou a convocar embaixadores para denunciar “a fragilidade do sistema eleitoral brasileiro”.
Por trás do vociferar de Bolsonaro, tramava-se no Palácio do Planalto (onde trabalhava) e no Palácio da Alvorada (onde residia), a maior conspiração golpista desde o fim da ditadura militar, em 1985.
Estava organizada em seis núcleos operacionais, desde disparos de milhares de fake news à pressão sobre oficiais graduados para que aderissem ao golpe.
Tudo isso, como é absolutamente evidente, com o pleno conhecimento e a operosa participação de Bolsonaro.
O golpe fracassou, e milhares de bolsonaristas que vandalizaram as sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário foram presos.
Contudo, questões e providências pairam no ar: além dos vândalos “pé de chinelo”, por que até agora nenhum conspirador de alto coturno foi preso?
Por que golpistas chegaram a ser promovidos para comandos importantes?
As lideranças das Forças Armadas tentaram abafar o escândalo e salvar a imagem da “família fardada”?São perguntas duras que exigem respostas firmes, em benefício da reconexão dos militares com os brasileiros e da sobrevivência da retomada da democracia nesse País cansado de golpes.
Jair Bolsonaro tem o direito de convocar seus seguidores para defendê-lo das acusações que, segundo ele, “não passam de perseguição política”.
Sabe bem o risco que está correndo.
Caso seja processado e condenado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e associação criminosa, poderá ficar inelegível por mais de 30 anos. É o que estabelece a Lei de Defesa da Democracia, sancionada pelo próprio ex-presidente, em setembro de 2021.
Interessante será observar, na manifestação do próximo domingo, quem, entre os bolsonaristas mais graduados, apontados como seus sucessores, estará ao seu lado no palanque: Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo; Romeu Zema, governador de Minas Gerais ou Cláudio de Castro, governador do Rio de Janeiro ?
Os três, dois, um ou nenhum?
Quantos senadores, deputados federais e prefeitos de capitais?
Será um termômetro importante para avaliar a saúde política do ex-presidente neste momento e suas possibilidades de recuperação.
Ou não.
A sucessão de ações golpistas que Bolsonaro liderou e articulou, desde sua posse na presidência da República, não foi episódica, como um raio em céu azul.
As dezenas de ações foram planejadas e financiadas com apoio de quadros militares e civis, distribuídos por todas as regiões do País.
Eles estão por aí, ainda protegidos pela conivência do silêncio. É essencial trazê-los à luz.