Por GUSTAVO HENRIQUE DE BRITO ALVES FREIRE, advogado, em artigo ao blog de Jamildo Saiu no portal Terra e em outros veículos de imprensa matéria alardeando, como se fosse curiosa, contraditória, polêmica ou controversa a aceitação da causa em si mesma, que a criminalista Patrícia Vanzolini, primeira mulher eleita Presidenta da OAB/SP em 2021, tornou-se a advogada de indivíduo acusado, por mais de uma vez, de agressões contra mulheres.

Quem é a pessoa de interesse todo mundo sabe ou basta pesquisar no Google.

Mas este não é o ponto, veja-se bem, o ponto é outro. É como se o acusado devesse não ter defesa, seja porque imerecida, seja porque desnecessária, defesa que, aliás, não se esgota, dentro do plano da ciência penal e processual penal, na discussão sobre a autoria e a materialidade, interessando-se, também, pelo denominado due process of law ou devido processo legal e suas garantias, positivadas que são constitucionalmente.

Nas reportagens publicadas sobre o episódio referido no preâmbulo, a advogada recém-contratada tem a sua “história de luta pelas mulheres como plataforma” e o seu currículo acadêmico de professora mestra e doutora em Direito de instituições conhecidas utilizados como “vidraças” a um subliminar questionamento ético, ficando nas entrelinhas o veredito de reprovação decepcionada ao fato de ter aceitado a causa.

Ninguém menos que a OAB, nonagenária bastiã da cidadania, entre cujas atribuições legais estão as de proteger, cobrar e assegurar o respeito às prerrogativas da classe, que pertencem, em última análise, à sociedade, não aos causídicos, entrou na alça de mira da onda de incompreensão insuflada, como faz ver o simples título de postagem feita pela coluna Radar da Revista Veja sobre o assunto (“OAB sai em defesa de advogada”).

Basicamente, a sensação é a de que é irrelevante saber que, no Estado Democrático, todo acusado, por pior que seja a acusação, possui o direito fundamental à defesa.

Além: que seu advogado não se torna a pessoa do cliente, assumindo-lhe a identidade, por estar a assisti-lo no âmbito judicial.

Grave isso.

Implica viajar de volta ao tempo das fogueiras.

Roberto Delmanto, escreveu há mais de quinze anos para o Consultor Jurídico (CONJUR) um primoroso artigo no qual reverbera exatamente isso, citando outro célebre advogado criminalista, Evaristo de Moraes Filho, quando declarou: “Temos o dever de prosseguir na batalha em defesa de nosso mais importante cliente: a liberdade individual.

Sabemos que no desempenho desta missão, quer nos regimes totalitários, quer nas democracias, os espinhos sangrarão nossos pés durante a caminhada.

Nas ditaduras descerá sobre nós o ódio dos senhores do poder, por defendermos os ‘inimigos da pátria’.

No Estado de Direito Democrático, por ampararmos os odiados, acabaremos por partilhar com nossos clientes o opróbrio da opinião pública.

De qualquer forma, não devemos desanimar, mesmo porque a história tem sido generosa conosco”. À doença da ignorância, no sentido literal da palavra, deve-se sempre e sempre responder não com silêncio ou contra-atacando, mas sim com o remédio eficaz da educação, isto é, com o antibiótico potente do conhecimento fundamentado, objetivo e límpido como céu de verão, pois somente ele, o saber, é que transforma, como afirma famoso slogan.

Orientar, esclarecer, explicar, conscientizar.

Mostrar às pessoas que a civilização é isso e que para trás caminha apenas os caranguejos.

O advogado criminal, portanto, não é o inimigo, nem o vilão, mas antes o personagem epicêntrico que luta na adversidade muitas das vezes, trabalhando em um sistema imperfeito, culturalmente relacionado com a ideia de impunidade. É da essência desse profissional o fardo de carregar consigo a antipatia reservada ao cliente.

Mas é também sua a responsabilidade de cuidar para que o cliente seja ouvido, produza provas, conteste dosimetria de pena, reivindique direitos, até mesmo na fase de execução da pena, em sendo considerado culpado e ao depois condenado.

Faço aqui alusão a um dos grandes nomes pernambucanos da advocacia criminal, de quem há mais de duas décadas e meia fui aluno e com quem hoje honrosamente divido o voluntariado de política de OAB, João Olímpio Mendonça, que em texto escrito em agosto de 2015, publicado no site da Seccional pernambucana, sabiamente consignou: “(…) o advogado criminal promove na verdade a defesa de pessoas que a Constituição Federal presume inocentes, até que se produza, ao final do processo, uma certeza jurídica apontando em sentido contrário. (…) o advogado criminal, seja ele constituído, ou dativo, tem presença obrigatória no nosso Processo Penal. (…) Advocacia, contudo, é ciência e arte.

Exige a paciência cultivada pelos monges tibetanos.

Já dizia o grande mestre e jurista italiano Calamandrei, que os advogados militantes, antes de se iniciarem na labuta forense, deveriam ser submetidos aos mesmos testes de equilíbrio e sobriedade exigidos dos pilotos de avião, imagem figurada essa que ainda merece ser cultivada na atualidade.

Mas, mazelas à parte, num Estado Democrático de Direito, e sobretudo, nos Regimes de Exceção, o advogado deverá manter uma posição de firmeza, até mesmo correndo risco pessoal, tudo na defesa intransigente da Ordem Jurídica, jamais se intimidando diante de poderosos, jamais recuando ou submetendo-se a qualquer forma de acomodação”.

Cabe ao advogado criminal, no patrocínio do cliente, lançar mão de todas as medidas legalmente previstas para que haja um julgamento justo, pouco importa a sua opinião pessoal.

Se o cliente responde por um delito de menor ou de maior potencial ofensivo, a garantia de ser defendido tecnicamente é a mesma.

A Constituição não excepciona, nem exclui, nem afasta, nem privilegia.

Todo réu merece defesa.

Em resumo, vale o exemplo norte-americano de 1776, no documento onde se lê: “Em todos os processos por crimes capitais ou outros, todo indivíduo tem o direito de indagar da causa e da natureza da acusação que lhe é intentada; de ser acareado com os seus acusadores e com as testemunhas; de apresentar ou requerer a apresentação de testemunhas e de tudo que seja a seu favor; de exigir processo rápido por um júri imparcial de sua circunvizinhança, sem o consentimento do qual ele não poderá ser declarado culpado” (Declaração deVirgínia, artigo 10).

Antes, portanto, de abrir a boca e largar o sarrafo contra o advogado, sobretudo na conveniência da suposta blindagem das redes sociais e na própria internet de um modo geral, informar-se, evitando vociferar besteiras.

Há tudo para não se passar vexame.

Basta entender que a acusação é contraposta na lógica civilizacional pela defesa e que é essa a regra do jogo, a alcançar, inclusive, quem a critica, pois, em dado momento, pode perfeitamente se encontrar refém da mesma necessidade.