Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog de Jamildo Ao discursarem na solenidade, em Brasília, que marcou o primeiro ano dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, foram unânimes: os mentores, financiadores e executores da tentativa golpista devem ser exemplarmente punidos.
Não por revanchismo, mas para que a insurreição – de óbvia inspiração bolsonarista – não se repita e aqueça a polarização política que divide o País.
Há tentativa da oposição ao governo Lula de minimizar os acontecimentos de 8 de janeiro. “Golpe?
Aquilo foi coisa de um bando de aloprados”, ironizam.
Aos fatos.
Cerca de 4.000 militantes invadiram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, destruindo e tentando, durante duas horas, incendiar suas instalações.
Foram presos 2.151; 1.413 denunciados pela Procuradoria Geral da República; 31 condenados até agora e 1.325 aguardando julgamento.
As penas aplicadas variam de 14 a 17 anos de prisão.
O prejuízo provocado pelo vandalismo chegou a R$ 40 milhões.
As investigações da Polícia Federal continuam.
No entanto uma pergunta não cala: todos os responsáveis pelo 8 de janeiro serão punidos?
A História registra que a quase totalidade dos assassinos e torturadores que tomaram o poder em 1964 escaparam de punições.
Ao contrário do que aconteceu no Uruguai, na Argentina e no Chile, no retorno da democracia, depois de ditaduras sanguinárias.
Pelos atos golpistas de 8 de janeiro, só um representante do núcleo duro golpista foi por enquanto condenado: o ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres.
Ele se escafedeu de Brasília no dia 7 de janeiro, véspera da invasão da horda bolsonarista.
Em sua casa, a Polícia Federal encontrou minuta de um decreto presidencial que autorizava intervenção no Tribunal Superior Eleitoral e a anulação do resultado da eleição presidencial de 2022.
Torres está agora em prisão domiciliar, com tornozeleiras eletrônicas adornando suas canelas.
A Justiça tarda, mas não falha – repetirão os otimistas.
Entretanto, os mais calejados por episódios do passado preferem consultar suas memórias.
Elas informam, em primeiro lugar, que o 8 de janeiro não foi um episódio isolado, porém o resultado de ataques sucessivos de Bolsonaro e seu séquito à democracia, que geraram polarização e violência política sem precedentes.
Em segundo lugar, mostram as pesquisas do momento que, mesmo inelegível, o ex-presidente teria condições de liderar uma frente conservadora em 2026.
Ao reunir a extrema direita, a direita, conservadores de todas as linhagens e antipetistas, essa frente poderia somar 25% dos votos no primeiro turno e catapultar para o segundo um candidato como o governador bolsonarista de São Paulo, Tarcísio de Freitas. É possível uma articulação dessa amplitude?
Há um ano e meio da eleição presidencial não se pode prever.
Possível dizer, hoje, é que a aliança bolsonarista já pavimenta o seu caminho, e ele começa no pleito municipal deste ano, quando os conservadores pretendem eleger cerca de 2.000 prefeitos nos 5.560 municípios brasileiros.
Jair Bolsonaro foi derrotado em 8 de janeiro, contudo a sua influência permanece.
Alguns exemplos: a decisão dos comandantes das Forças Armadas de não apoiar os vândalos invasores foi tomada por maioria, não por unanimidade; até a posse de Lula, os comandantes de quartéis não impediram que bolsonaristas acampassem, ilegalmente, diante de seus portões.
E o ministro da Defesa de Lula, José Múcio Monteiro, foi claro e direto: “Não houve golpe em 8 de janeiro porque as Forças Armadas não quiseram”.
E o que querem as Forças Armadas, agora tidas como defensoras da Constituição?
O futuro dirá, ao exigir delas incontestável tomada de posição quando novos desafios se erguerem à frente dos brasileiros.
Desafios não faltarão, como provável instabilidade econômica mundial, com repercussões negativas profundas no Brasil, a insegurança pública crescente e até a possível vitória de Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos, o que fortaleceria o bolsonarismo.
A isso se juntam guerras na Europa e no Oriente Médio, conflitos armados na África e ameaças de invasões na América do Sul.
Por outro lado, o governo Lula ainda não conseguiu maioria sólida e permanente no Congresso, o que dificulta a formação de uma retaguarda política capaz de lhe dar apoio em conjuntura tão adversa.
Buscar de imediato a unidade nacional para superar essa conjuntura talvez seja a prioridade.
Nesse sentido, Bolsonaro e o bolsonarismo são as maiores ameaças à estabilidade do País.
Formam um espectro de autoritarismo que continua a se nutrir nos porões, aguardando momento propício para outros 8 de janeiro.
Eles precisam ser combatidos e vencidos tantas vezes quanto necessárias e lançados de volta ao passado golpista que tentam reviver.
De 2018 a 2022 o Brasil foi estraçalhado por uma tragédia econômica, política e social, sem precedentes, na qual morreram mais de 700 mil brasileiros por incúria e incompetência do desgoverno no combate à Covid 19. É nosso dever, individual e coletivo, reagir às novas tentativas de articulações golpistas, que poderão ressurgir até travestidas de “direito democrático de oposição ao poder”.
Esse filme já passou antes.
O filme agora é outro e nele não há medo nem perdão para os bandidos.