Por Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, em artigo especial para o Blog de Jamildo A advocacia pernambucana, e, por amplificação justa, a advocacia brasileira, irão amanhecer nesta quarta-feira 10 de janeiro de 2024 sem a energia, o destemor, o bom humor e a sabedoria despida de qualquer arrogância de Nair Andrade dos Santos, que aos 97 anos concluiu a sua caminhada terrena, adentrando os domínios da espiritualidade.

Para quem, assim como eu, conviveu proximamente com Nair nas discussões de interesse da advocacia, sobretudo, no plano da política de OAB no Estado de Pernambuco, e presenciou a sua invejável assiduidade às sessões do Conselho Seccional, dizer que o amanhecer deste 10 de janeiro será diferente não é exagero, nem licença poética, nem forçar a barra, mas ser fiel à verdade.

Francisco de Quevedo certa vez disse: “Feliz serás e sábio terás sido se a morte, quando vier, não te puder tirar senão a vida”.

Morrer, portanto, não é deixar de existir, morrer é realizar uma travessia, é existir de outra maneira.

Nair não morreu, não se foi, nem disse adeus; ela tornou-se parte insuprimível da história, passou a ser saudade, exemplo atemporal, fonte de referência para a advocacia consciente do seu papel ético revolucionarista.

Consequentemente, permanece viva, através do conjunto da obra admirável que foi a sua caminhada.

Passa doravante a integrar, sob o signo da definitividade, o panteão dos grandes baluartes da advocacia feminina que habitam os alfarrábios da história, ladeando nomes da dimensão de Myrthes Gomes de Campos, Esperança Garcia, Mércia Albuquerque e Eny Moreira, dentre outras.

Nair pavimentou a abolição do “Clube do Bolinha” de uma OAB pernambucana predominantemente masculina, tornando-se a primeira Diretora da Seccional na gestão do saudoso Joaquim Correia de Carvalho Júnior, no ano de 1971.

Construiu, assim, a estrada para que cada vez mais mulheres se animassem a se incorporar à política classista advocatícia e ocupassem espaços de fala e de decisão.

Graduada em 1961, Nair conquistou sua habilitação de advogada no ano seguinte.

Como muito bem pontuado na nota de pesar emitida pela Seccional pernambucana da OAB, ela quebrou paradigmas e abriu caminhos.

Fez com simplicidade, fé e obstinação com que “houvesse mulheres na Ordem”, frase que repetiu incansavelmente no processo eleitoral em que vencedora.

Por quatro décadas atuou como advogada de ofício na Assistência Judiciária, hoje Defensoria Pública.

Devotou-se de corpo e alma aos desvalidos.

Foi uma apaixonada pela arte da advocacia, assim como pela Defensoria Pública e pela OAB enquanto instituições, compreendendo-as elos de uma mesma correia, unidas pelo mesmo propósito maior.

Tinha orgulho de prestar o seu contributo, de elogiar os acertos, de advertir contra possíveis futuros equívocos, opinando sempre, além de ser uma meritocrata-raiz, permanentemente estimulando os colegas em quem enxergava potencial.

Estou Conselheiro da OAB/PE, hoje, pela sexta vez.

Comecei em 2004, e, intercaladamente, estive sem mandatos entre 2007 e 2011.

Desde então voltei ao Conselho e dele não mais saí.

Procuro não faltar às sessões.

Não escondo que um dos chamarizes para isso foi o exemplo de Nair, para quem o peso dos anos e dos cabelos brancos nunca se tornaram empecilhos.

Minha querida e doce Nair, que, no plano da imortalidade, que você agora atinge, continue a interceder por nós outros que aqui estamos, na luta diária por justiça, advogando em nosso favor, inspirando os nossos movimentos.

Para Santo Agostinho, a morte não é o fim da vida, mas uma condição natural, uma transformação. É dele o belíssimo texto: “A morte não é nada”, entre cujas estrofes destaco uma, com a qual concluo, triste, mas agradecido, pela benção que foi conhecer e ser amigo de Nair Andrade: “A vida que significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado”.

Salve Nair.

Mulher guerreira, símbolo de doação ao bem maior.

Obrigado por cada encontro afetuoso, por cada palavra dita, por cada instante compartilhado.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire é advogado e conselheiro da OAB