Ao fazer uma autópsia completa sobre o processo de polarização e radicalização que se verificou nas últimas eleições no Brasil, as mais acirradas de todos os tempos, o cientista político Felipe Nunes e o jornalista Thomas Traufmann, autores de Biografia do Abismo, defendem que cicatrizar feridas deste país partido no meio vai demorar anos e só acontecerá se os dois lados se dedicarem, uma vez que não existe reconciliação de um lado só.
Os autores explicam que a tendência de calcificação (das relações políticas) deve se acentuar porque a crise da polarização é um fenômeno mundial.
O primeiro exemplo citado é o Reino Unido, ao sair da União Europeia. “Um dos maiores espetáculos de automutilação de uma sociedade moderma e que transformou a extrema-direira em protagonista eleitoral em países tão dispares como EUA, Hungria, Filipinas, Polônia, Israel, Chile, Argentina e Itália”, descrevem. “Em comum, há o uso estratégico do ressentimento de parte da população com suas elites (sejam elas políticas, econômicas ou intelectuais), o choque de valores morais e o viés de confirmação das redes sociais” Leia Também Biografia do Abismo: Temas econômicos ficam no passado e dão lugar a costumes e valores Biografia do Abismo: entenda como a verdade deixou de interessar com a polarização política Como se chegou a este quadro?
Na avaliação dos autores, os governos de esquerda não conseguiram responder satisfatoriamente aos anseios dos eleitores de direita sobre segurança pública, nem os governos de direita adotaram ações de combate à desigualdade social de longo prazo que cumpram as exigências dos eleitores de esquerda".
Na prática, assim, lulismo e bolsonarismo são respostas políticas para problemas reais, embora diametralmente opostas, em sua visão de mundo. “A necessidade real do Estado para a sobrevivência de uns (na visão dos lulistas) ou o completo descrédito das instituições para outros (na visão dos bolsonaristas)”, comparam.
O que é um direito e não uma ofensa aos outros Como falta visão de Estado a ambos os grupos, e muitos apostam mesmo no dissenso, não no consenso, não existem convergências possíveis e capazes de costurar o tecido social. “Irmãos e amigos devem entender que ter opiniões divergentes é tão natural quanto torcer para times rivais no futebol.
Um desconhecido usar a camiseta do político adversário é um direito dele, não é uma ofensa aos outros”, pontuam, me fazendo lembrar a primeira vez que assisti a um jogo da NBA nos Estados Unidos.
Jovens, sentados lado a lado, torcendo para times distintos.
Naquele tempo, era apenas uma diversão e a vida não estava em jogo.
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Nordeste não teve ‘culpa’, explica Biografia do Abismo ‘Bolsonaro não está morto’, alerta livro Biografia do Abismo Exclusivo: Autores de Biografia do Abismo afirmam que polarização política no Brasil so deve piorar Estabelecimento de limites e punições aos intolerantes “O embate entre ideias contrárias deve ser normalizado, mas os lados precisam aceitar que existem regras civilizatórias que não podem ser ultrapassadas.
Os atentados a Brasília de 8 de janeiro cruzaram esta linha”, afirmam. “A saída mais difícil é despolitizar e despersonalizar a ação governamental, dando continuidade a projetos de longo prazo.
A pandemia de covid 19 mosyrou que a necessidade de investimentos públicos consistentes no Sistema Único de Saúde e nos projetos de transferência de renda para miseráveis, como o Bolsa Família, não é de esquerda nem de direita”, avaliam.
No Nordeste, um breve lembrete, o então PSDB dizia que o Bolsa Família era esmola e visava comprar o voto dos mais pobres.
Com essa visão elitista, o partido jamais se estabeleceu como agremiação de peso na região.
Em resumo, a dupla de autores de Biografia do Abismo concorda que a política brasileira chegou ao estágio de ódio das torcidas organizadas e é preciso dar um passo para trás.
Haverá quem se a habilite?
Uma analogia de Felipe Nunes e Thomas Traufmann com a natureza mostra o tamanho do desafio. “Os humanos são como os pássaros: aqueles da mesma espécie tendem a se reunir para facilitar a defesa do bando”.