Em Biografia do Abismo, o cientista político Felipe Nunes, CEO da Quaest, Pesquisa e Consultoria, e o renomado jornalista nacional Thomas Traumann juntaram forças para escrever um estupendo livro sobre os bastidores das eleições, tendo como mote principal a divisão entre lulistas e bolsonaristas, que desceu do palanque após as eleições mais acirradas de todos os tempos e chegou ao cotidiano dos brasileiros, quer eles gostem ou não.

Na obra, os autores explicam como as opiniões políticas polarizadas dividem famílias, desafiam as empresas e comprometem o futuro do país.

O Blog de Jamildo conversou com os autores e em breve trará ainda uma resenha mais aprofundada da publicação, enquanto não surgem as flores do recesso.

Blog de Jamildo - Estamos nos aproximando de um novo período eleitoral, com as eleições municipais.

Quais as chances deste fenômeno da polarização se repetir e com maior intensidade?

Thomas Traumann - A polarização extrema que vivemos hoje vai prosseguir e, talvez, até piorar nas eleições presidenciais de 2026.

Veremos uma prévia disso nas eleições municipais do ano que vem, mas com nuances.

Em cidades onde o lulismo é mais forte, como no Recife, é possível termos disputas entre dois candidatos do mesmo campo, assim como em lugares mais bolsonaristas, como Curitiba, vai ocorrer o oposto.

Blog de Jamildo - No livro, vocês falamque trocou-se o ato eleitoral por um chamado ato identitário.Aondeesta escolha pode nos levar como sociedade?

Há risco de uma divisão real entre os brasileiros e regiões, como deixou entrever o mineiro Zema?

Thomas Traumann - O livro é um alerta.

A polarização extrema está envenenando a sociedade, calcificando bolhas nas quais os grupos bolsonaristas e lulistas só falam entre si.

Até onde vai isso vai depender desse nosso alerta ser compreendido e combatido.

O Brasil precisa se reconciliar consigo mesmo, mas os dois lados precisam trabalhar para isso.

Blog de Jamildo - A criação de muitas destas bolhas é atribuída mais das vezes às plataformas digitais ou aplicativos de mensagem.

As empresas de tecnologia deveriam estar ajudando mais a resolver os problemas criados por estas novas ferramentas?

O que pode ser feito na prática, pelos cidadãos ou governos?

Felipe Nunes - O primeiro capítulo do nosso livro é sobre redes sociais justamente porque nunca o Brasil, os EUA, o Reino Unido, a Índia, as Filipinas, a Argentina, enfim o mundo todo chegaria nesse estágio de polarização extrema sem a guerrilha digital.

As plataformas, que hoje estão entre as companhias mais valiosas do mundo, têm se eximido da responsabilidade desse fenômeno.Blog de Jamildo - O STF virou alvo no período de Bolsonaro e, agora no governo Lula, o Congresso tenta impor novos limites à Corte constitucional.

Em que medida as recentes indicações de Lula, primeiro com seu advogado e depois com o ministro da Justiça, podem ajudar a intoxicar o ambiente político e retroalimentar toda a polarização na política?

Flávio Dino foi o nome indicado por Lula para assumir vaga deixada por Rosa Weber no STF - Edilson Rodrigues/Agência Senado Felipe Nunes - É ruim que o STF tenha se transformado em um protagonista político, mas isso foi necessário para assegurar que a vontade do eleitor fosse respeitada em 2022.

Dito isso, o STF manteve uma postura, através de entrevistas e discursos, que amplia a polarização e permite que o bolsonarismo a considere parcial.

Isso é ruim para o país.

As duas escolhas de ministros do STF do governo Lula reproduzem o esquema polarizante do governo Bolsonaro.

Blog de Jamildo - No livro, vocês contam que a direita populista no mundo (Estados Unidos em especial, com Trump) tem apostado na guerra cultural, ou reação culturas, para vencer os pleitos, deixando de lado até mesmo temas importantes como o debate econômico.

Considerando este dado da realidade, as eleições de 2024 podem servir ao propósito desta radicalização para a direita brasileira, independentemente de como a economia esteja funcionando em 2026?

Felipe Nunes - Por serem municipais, as eleições de 2024 têm componente fortemente locais.

Mais do bolsonarismo e lulismo, a eleição de Maceió deve girar em torno do desastre da Braskem, assim como a de São Paulo sobre a cracolândia e a do Rio sobre o avanço da milícia.

Agora em 2026 não tenha dúvidas que o debate voltará a ser sobre valores e identidades religiosas, gênero, raça e divisão regional.

Lula e Raquel Lyra na COP 28, em Dubai - Reprodução/Redes Sociais Blog de Jamildo - Aqui em Pernambuco, a governadora Raquel Lyra, eleita rompendo de forma inédita a polarização nacional, sem assumir Lula ou Bolsonaro, está sendo criticada por parte do eleitorado por “ter se aproximado de Lula”, em busca de recursos federais para obras necessárias ao Estado.

O que vocês diriam aos eleitores de centro, que são obrigados a viver em um Brasil tão dividido como este?

Thomas Traumann - Alguns Estados conseguiram quebrar a polarização, como Pernambuco e Rio Grande do Sul, mas eles estão no contexto nacional no qual o espaço para o meio-termo está se reduzindo a cada ano.

Essa tentativa de se equilibrar entre os dois polos pode até funcionar em alguns Estados, mas quando esses governadores tentam uma projeção nacional acabando tendo de escolher um lado ou outro.