Por Ricardo Leitão, em artigo para o Blog de Jamildo Narram as lendas urbanas que, tempos atrás, um vereador de Natal (RN), com o meritório propósito de estimular o turismo, sugeriu a construção de uma ponte ligando o litoral do Nordeste ao arquipélago de Fernando de Noronha, numa extensão de centenas de quilômetros sobre o oceano Atlântico.

A insensibilidade dos pares do propositor fez naufragar o projeto.

No entanto, a fantástica ponte ficou na memória dos absurdos que podem levar ao desespero um candidato na caça de votos.

O projeto do vereador potiguar parecia insuperável até assessores de Javier Milei, presidente eleito da Argentina, darem um passo adiante: a privatização das baleias que se aventuram nas águas territoriais portenhas.

Uma vez que são patrimônio nacional poderiam ser privatizadas, e os recursos arrecadados nos leilões depositados no tesouro argentino para mitigar a crise em que foi mergulhado o país.

Milei assumirá o governo no próximo 10 de dezembro.

Não se sabe se as baleias nadarão em seu discurso de posse.

Mais provável que, entre os representantes do reino animal, a prioridade das homenagens caiba ao seu cachorro, morto meses atrás, em plena campanha, com o qual o presidente eleito costuma manter diálogos mediúnicos sobre questões argentinas.

Porém também é possível que, alertado por seu conselheiro de quatro patas, Milei decida mudar o rumo da prosa, ao já ter se deparado com a profundidade do buraco em que se atolou.

As baleias privatizadas e os cachorros falantes ficarão na memória.

Os desafios à frente são maiores do que as costeletas do novo presidente, e a população desempregada, esfomeada, passará a exigir soluções rápidas, como foi prometido por ele na campanha.

Javier Milei é mais um direitista a engrossar a fila de populistas grotescos que empalmaram o poder na América Latina nos últimos anos.

Segundo o cientista político Daniel Zovatto, diretor regional do Instituto pela Democracia e Assistência Eleitoral, das trinta e três eleições nacionais ocorridas na região entre 2015 e 2023, vinte e cinco foram vencidas por candidatos descomprometidos com o fortalecimento das instituições democráticas. É o caso de Milei, apelidado de El Loco desde a juventude, defensor de uma agenda reacionária, bem conhecida dos brasileiros nos tempos de Bolsonaro: homofóbica, misógina, racista, armamentista e revisionista dos crimes da ditadura militar.

Apesar disso (ou seria por conta disso?), El Loco vai ocupar a Casa Rosada, sede do governo argentino, pelos próximos quatro anos, para lá carreado por 55,7% dos votos no segundo turno.

Enfrentará inflação descontrolada, desemprego crescente, oposição majoritária no Congresso e enorme desconfiança internacional.

A Argentina não tem crédito interno nem dinheiro para pagar o que deve ao Fundo Monetário Internacional.

Um calote está à espreita.

Ainda assim, nessa situação, tão dramática quanto o mais sofrido tango, a vitória de Milei tem missões a ensinar aos líderes políticos brasileiros.

A principal delas: governo corroído pela inflação, pelo desemprego e pela corrupção sempre enfrentará forte possibilidade de ser derrotado, em qualquer eleição.

A vitória de Bolsonaro em 2018 já mostrara isso; Luiz Inácio Lula da Silva confirmou em 2022 e El Loco atestou agora, ao derrotar o peronismo instalado há 40 anos no poder.

No momento, o Brasil não é a Argentina, contudo vale estar atento aos fatos e aos sinais no horizonte.

Alguns preocupam.

Antes de o governo completar um ano se desencadeou o debate sobre a sucessão de Lula, fator de desunião da equipe ministerial; não se soluciona o desacordo entre o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e o Executivo, o que retarda decisões essenciais; as investigações sobre o envolvimento de oficiais das Forças Armadas nas ações golpistas de 8 de janeiro continua sendo um fogo de monturo e o Tesouro Nacional prevê um rombo de R$ 205 bilhões nas contas públicas este ano.

A repercussão no crescimento da inflação será inevitável.

E a oposição, viva, liderada por Jair Bolsonaro e seus asseclas, se rearticula.

O ex-presidente está impedido, por decisão da justiça, de se candidatar até 2030, mas não de subir em palanques, gravar mensagens e pedir votos para seus candidatos.

A aliança de direita que ele costura tem por objetivo eleger 1.500 prefeitos no próximo ano, alargando a base para a disputa presidencial de 2028.

A eleição de 2026 está na próxima esquina e, a rigor, o que a esquerda tem por enquanto a apresentar são preliminares de acordo com o Centrão, tão respeitáveis quanto as barbas natalinas de Papai Noel.

Argumenta-se que há tempo.

Porém o tempo da política não é cronológico nem se limita às fronteiras nacionais.

A crise na Argentina irá repercutir no Brasil negativamente, assim como a possível reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos.

Nos dois casos, quem ganha é Bolsonaro, convidado para a posse de Javier Milei antes mesmo de Lula.

Ao escolher seu novo presidente os argentinos trocaram um desastre conhecido – as sucessivas administrações peronistas – por um salto no escuro.

Algo que fizeram os brasileiros em 2018, ao rejeitar as gestões do Partido dos Trabalhadores por Bolsonaro, outro salto no escuro que não tardou em se mostrar trágico. É verdade que sempre haverá tempo para correções de rumo.

No entanto, elas terão de ser rápidas, objetivas e capazes de garantir benefícios concretos para os mais pobres e os desempregados. É possível a superação desses desafios, como demonstrado no passado recente.

Javier Milei, com suas baleias privatizadas e seus cachorros falantes, é mais um desafio a ser superado, com a força da pressão diplomática e econômica.

Ele não é maior que os laços seculares a unir argentinos e brasileiros e que serão reforçados ainda mais, agora, apesar dos surtos e dos delírios de El Loco.