Por Ricardo Leitão, em artigo para o Blog de Jamildo A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), dos atos golpistas de 8 de janeiro, entregou à Procuradoria Geral da República (PGR) o seu relatório final.

O documento tem 1.300 páginas e 7 terabytes de arquivos digitais, resultado do trabalho de 5 meses da equipe da senadora Eliziane Gama (PSB-MA).

A Procuradora-Geral da República interina, Elizeta Ramos, tem 30 dias para decidir se encaminha o relatório para o Supremo Tribunal Federal (STF), solicita investigações adicionais ou remete o documento para o silêncio dos arquivos.

Por alegados envolvimentos nos atos golpistas, a CPMI pediu o indiciamento de 61 pessoas, entre elas graduados integrantes do núcleo duríssimo do bolsonarismo: o líder Jair Bolsonaro, o general Walter Braga Neto, ex-ministro da Defesa; o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional; o general Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência; o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Silvinei Vasques, ex-diretor geral da Polícia Rodoviária Federal, e a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP).

Caso a procuradora interina Elizeta Ramos decida encaminhar o relatório da CPMI ao STF, o inquérito passará às mãos do ministro Alexandre de Moraes, que comanda as investigações sobre os atos golpistas.

Bolsonaro e seu séquito sabem disso e também sabem que não é uma boa notícia.

Existem ausências de relevo no documento da Comissão.

Por exemplo: não foi convocado para depor o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha no desgoverno bolsonarista, que declarou apoio ao golpe.

Nem o general da reserva do Exército Ridauto Fernandes, flagrado no meio dos vândalos em 8 de janeiro, patrioticamente enrolado no chamado pavilhão verde e amarelo.

No entanto, por outro lado, a CPMI levantou indícios sobre a participação, na mobilização golpista, dos “kids pretos”, forças especiais do Exército.

Faltam também esclarecimentos sobre episódios esquisitos, a exemplo das misteriosas incursões noturnas do hacker Walter Delgatti Neto na sede do Ministério da Defesa, em Brasília, a mando de Bolsonaro.

Como disse à CPMI, Delgatti se embrenhou pela garagem do prédio para assessorar uma equipe de oficiais que analisavam as urnas eletrônicas com o objetivo de identificar seus pontos vulneráveis.

Como?

Um hacker examinando urnas eletrônicas na sede do Ministério da Defesa?

O passo adiante que se deu e os outros que se espera sejam dados caminham, portanto, sobre brasas.

Até onde irão sem abespinhar a tensionada comunidade verde oliva?

Houve tempos em que a política brasileira contava com exímios observadores de nuvens, como Miguel Arraes, Tancredo Neves e Ulysses Guimarães.

Líderes com a capacidade, adquirida em décadas de estrada, de conseguir prever os melhores abrigos em períodos de tempestade.Hoje faltam tamanhas expertises para elucubrar quais os melhores caminhos na tumultuada conjuntura, inclusive os caminhos das Forças Armadas.

Todos os comandantes se dizem defensores da Constituição e da democracia, o que a CPMI reconheceu, ao registrar no relatório que, não fosse a reação da maioria dos comandantes ao apelo golpista de Bolsonaro, a articulação teria vencido e o ex-presidente mantido no poder.

A coragem de atitudes dessa natureza, porém, não impede, por enquanto, a corrosão da imagem do Exército, da Marinha e da Aeronáutica junto à população.

Pesquisa do Instituto Datafolha, do final de setembro, informa que 61% dos eleitores brasileiros acreditam no envolvimento de oficiais das três Armas em crimes diversos no desgoverno passado, de contrabando das joias sauditas às tentativas golpistas.

Serão julgados, condenados e punidos como pede a CPMI ou sobre eles baixará a nuvem espessa do silêncio?

Todos os brasileiros merecem - ou melhor, temos o direito - explicações comprovadas, claras e objetivas sobre a tentativa golpista de 8 de janeiro.

A luz do sol é um dos mais eficientes nutrientes da democracia.

Apenas assim haverá a paz pela qual clamamos, muitos exaustos na luta longa e árdua.

Mas que fique assentado: pacificação não é esquecimento.

Somos iguais, civis e fardados, perante a lei.

A simbiose dos comandantes militares com o bolsonarismo foi a consequência, desgraçadamente, de uma escolha política trágica, que instalou no Palácio do Planalto um candidato acusado de terrorismo.

Há um preço a pagar e ele deve ser pago, com amplo direito à defesa como assegura a todos a Constituição.

A democracia é a maior conquista de uma geração, que por ela até morreu.

Não vamos recuar agora.

Os passos, como o que foi dado pela CPMI, serão sempre em frente.