No livro sobre os bastidores da CPI da Covid, encerrada no Senado há dois anos, os senadores Humberto Costa e Randolfe Rodrigues (Amapá) contam como os memes gerados nas redes sociais em 2021 foram relevantes para virar o jogo ditado até então pelos conservadores, no jogo político nacional.

Os dois se declaram como políticos analógicos, não apenas por não serem millennials, mas por terem começado a fazer política pelo modo tradicional, com muito desgaste na sola do sapato, ao menos até 2010. “Em 2018, perdemos as ruas e as redes sociais.

Foi simplesmente acachapante, de 2013 (primeiros atos de rua contra Dilma) até Bolsonaro.

Na CPI da Covid, pela primeira vez, ficou de igual para igual”, relembram, sugerindo que a esquerda finalmente aprendera a usar as novas tecnologias para a rinha política.

Esse mineiro Curiosamente, um roteirista e humorista mineiro chamado Rafael Chalub, de 26 anos, foi o responsável involuntário para o momento eureka dos senhores da Câmara Alta.

Chalub era o responsável pelo perfim @essemenino no Instagram, então relativamente desconhecido, e, no começo de junho de 2021, produziu um vídeo dramatizando a informação recém-divulgada pela CPI de que o laboratório da Pfizer já acumulara 31 e-mails enviados ao governo brasileiro com o objetivo de adiantar as negociações para a compra dos imunizantes contra a covid, sem receber nenhuma resposta.

O tuíte que serviu de base para o esquete de humor viralizou.

Hoje, está na marca de 5 milhões de visualizações únicas. “A maneira debochada como @essemenino atuava no vídeo tratando de um assunto tão árido na verdade mastigava a informação ao máximo e endossava a revolta pela postura silente do governo.

O esquete nos dizia, de modo subliminar, que tínhamos furado uma bolha”. “Os romanos estavam certos, é rindo que se castigam os costumes.

A (nova) situação nos pôs diante de mudanças radicais na comunicação que impactaram sobremaneira o andamento da CPI”, relembram.

Os senadores citam ainda como relevantes páginas como @bolsoregrets, @jairmearrependi e @anarcofino, que era do ambiente gamer e com suas lives analíticas chegava a reunir 30 mil espectadores assistindo.

Outro que é citado na rede de colaboração digital é o perfil @tesoureiros, cujos tuítes criticavam a falta de atuação do Itamaraty em busca de vacinas em outros países. “(Assim) mais recentemente percebemos que a tarefa (política de conquistar mentes) se ampliara: agora era também preciso ganhar likes”.

No começo de junho de 2021, de fato, a página do Senado no YouTube bateu recorde de seguidores, com um milhão de internautas.

Claro que o fim da temporada do BBB, da Rede Globo, também ajudou, levando boa parte dos sites a apostarem na cena teatral da política como entretenimento.

O relatório final de Renan Calheiros conta com 1,287 páginas e ao menos 200 delas são sobre fake news e as chamadas milícias digitais, mas convenhamos que a maioria da população não está interessada em indústria de desinformação.

Resumidamente, o texto trata de gabinete paralelo, imunidade de rebanho, tratamento precoce, medicamentos ineficazes, recusa de vacinas e denúncias de corrupção no Ministério da Saúde.

Jornalismo profissional Na publicação, os dois senadores não deixam de ressaltar o papel da imprensa tradicional. “Só o jornalismo profissional pode fazer reportagens de longo alcance e investigações profundas”, observam.

No caso em questão, o livro destaca o trabalho do jornalista Guilherme Balza, da GloboNews.

O jornalista denunciou o caso da Prevent Senior, de São Paulo, que recomendava tratamentos inadequados por meio de um chamado kit covid.

Relatório da CPI da Covid pede 80 indiciamentos - Marcelo Camargo/Agência Brasil Ambiente polarizado No final das contas, com sete votos a favor, e quatro contrários, os senadores aprovaram o relatório final do senador Renan Calheiros na CPI da Covid. “O resultado final representa uma inequívoca prova de que é possível construir unidades, mesmo em ambientes polarizados. É a prova de que a boa política é capaz de vencer os piores inimigos, ainda que sejam invisíveis, como o coronavírus”, afirmam.