Relembrar Marielle e Anderson- Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog de Jamildo Há cinco anos, em 14 de março de 2018, a vereadora (Psol) do Rio de Janeiro Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram metralhados, por volta das 21 horas, no centro da cidade.

Autores da execução, os ex-policiais Ronnie Lessa e Elcio Queiroz aguardam julgamento em penitenciária federal.

Dois suspeitos de participarem dos preparativos do crime foram mortos logo depois, também no Rio: o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, e o ex-policial Edmilson Oliveira da Silva, o Macalé.

O ex-policial teria contratado o pistoleiro Ronnie Lessa e o ex-bombeiro entregue o carro que seguiu o de Marielle até o momento do atentado.

A vereadora recebeu quatro tiros na cabeça e o motorista dois nos pulmões.

Meses depois, quando a polícia investigava as mortes de Marielle e Anderson, foi assassinado Carlos Alexandre Martins, o Alexandre Cabeça, assessor de Marcelo Siciliano, vereador e adversário de Marielle, que chegou a ser investigado pela morte da vereadora.

Siciliano é amigo do oficial da reserva do Exército Ailton Barros, por sua vez prestador de serviços gerais ao tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.

Por decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Justiça Flávio Dino determinou que a Polícia Federal abrisse nova investigação do caso.

A PF continua seguindo pistas, algumas fornecidas pela delação premiada de Elcio Queiroz.

Os resultados, contudo, por enquanto não são estimulantes.

Em seu último relatório, de junho passado, os agentes federais afirmam que, passados cinco anos dos assassinatos, “há limites intransponíveis para a resolução do caso”.

Motivo ainda maior para que não se cale a pergunta: quem mandou matar Marielle, mulher preta que lutou, por toda vida, contra milicianos, traficantes e grileiros de terras no Rio de Janeiro?

Cinco anos depois, por volta de 1 hora da madrugada de 5 de outubro de 2023, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, em um quiosque próximo à praia, quatro médicos conversam sobre a participação em um congresso internacional de ortopedia.

De repente três homens vestidos de preto descem de um carro branco e, sem pronunciar uma palavra, desferem 33 tiros de pistola no grupo, em 27 segundos.

Não roubam nada.

Correm de volta para o carro estacionado na avenida, porém dois retornam e dão mais tiros nos médicos. É o que se chama de “confere” na gíria dos pistoleiros.

Morreram Perseu Almeida, Diogo Bonfim e Marcos Corsato.

Alvejado com 14 tiros nas pernas, Daniel Proença sobreviveu.

Cerca de 17 horas depois, a polícia do Rio de Janeiro foi informada que os corpos dos assassinos dos médicos estavam em dois carros a poucos quilômetros do local da chacina.

Os chefes das milícias os julgaram e condenaram à morte por terem errado o alvo: devia ter morrido o traficante Taillon de Alcântara Barbosa e não o médico Diego Bonfim, com características fisionômicas semelhantes às do traficante.

Bonfim morreu por erro dos pistoleiros e, com ele, os companheiros médicos.

Em menos de 24 horas sete pessoas estavam mortas e uma gravemente ferida.

O traficante Taillon, em liberdade condicional, fugiu.

Trata-se de um personagem com preciosas relações.

A investigação que o levou à prisão foi um desdobramento da Operação Intocáveis.

A investigação tinha como alvo principal o ex-policial militar Adriano da Nóbrega, ligado à família do ex-presidente Bolsonaro.

O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), diz que o estado está tomado por uma “máfia”. É uma declaração que não mais emociona ninguém.

Há muito tempo, fala-se até em 40 anos, integraram-se à paisagem do Rio de Janeiro as chacinas, os fuzilamentos, as matanças policiais, a corrupção das forças de segurança, as crianças feridas e mortas por balas perdidas e as disputas entre facções.

Não há nada igual no País.

Trata-se de uma guerra civil e naturalizada que assassina todos os dias jovens pretos e pobres.

Uma mexicanização de vastas áreas do estado.

O neologismo é aplicado às cidades mexicanas na fronteira com os Estados Unidos, transformadas em dutos de exportação de cocaína para o ávido mercado norte-americano.

Espaços mexicanizados já existem no Rio, controlados por quadrilhas de milicianos e traficantes, onde as polícias só entram com o apoio de helicópteros e carros blindados.

Nesse contexto de caos na segurança e impotência do sistema policial, os mais pessimistas acreditam que a chacina dos médicos não será solucionada, a exemplo dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes.

Quando serão descobertos e presos os mandantes da execução da vereadora e de seu motorista?

Basta acreditar que os matadores dos médicos são aqueles apontados e mortos pelos seus chefes?

Faltam explicações.

Os que são ainda mais pessimistas veem na insegurança crescente - que não se reduz ao Rio de Janeiro e já chega ao Nordeste – um flanco que pode alimentar o discurso da direita contra a democracia no Brasil.