Por Ricardo Leitão - Em longa entrevista publicada na edição desta semana da revista Veja, a senadora Tereza Cristina, ex-ministra da Agricultura no desgoverno de Jair Bolsonaro e agora líder do Partido Popular (PP), no Senado, anuncia aos navegantes nas procelas (grande tumulto, agitação, intranquilidade, guerra, rebelião) político-eleitorais do Brasil: “A direita vai se unir”.
Pode se unir até em torno dela, uma das candidatas do campo conservador à Presidência da República em 2026, ao lado dos governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo), Romeu Zema (Minas Gerais) e Ratinho Jr (Paraná).
A escolha da Veja para a entrevista e as credenciais da entrevistada não foram fortuitas.
Porta-voz do chamado centro democrático, a revista é a de maior circulação no País e chega semanalmente à mesa de quem decide, ou seja, os conectados aos circuitos de pressão política e aos dutos do dinheiro grosso.
Na eleição presidencial de Jair Bolsonaro tais conexões e dutos operaram em favor do ex-capitão.
Tereza Cristina não fala apenas por si. É senadora pelo Mato Grosso do Sul, estado líder do agronegócio, representante da centro-direita antes do desgoverno Bolsonaro e fundadora do Instituto Campos, que reúne políticos, empresários e financistas, com o objetivo de formular propostas para o País.
A centro-direita ouve o que Tereza Cristina diz.
Ela diz, por exemplo, que no dia 8 de janeiro não houve uma tentativa de golpe de Estado. “Sinceramente, não.
Houve um problema de vandalismo, de quebra-quebra, uma coisa de turba.
Mas não vejo que era um golpe.
Se fosse, acho que não seria concretizado daquela maneira”, desenrola a senadora na entrevista.
Após incursionar por temas agropecuários - em que é especialista - Tereza Cristina retoma a pauta política: “A direita vai estar mais unida (2024 e 2026).
Ela terá que mostrar a que veio, que está organizada.
Temos partidos que caminharão juntos já na eleição municipal do próximo ano, como o PP, o PL, o Republicanos e, em alguns estados, o PSDB e o MDB.
A senadora acredita que “haverá uma recomposição de forças”.
Na mesma semana da publicação da entrevista, vazou para a imprensa um trecho da delação do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, à Polícia Federal.
No depoimento, Cid relatou que o planejamento golpista de 8 de janeiro foi tramado no Palácio do Planalto, em reuniões capitaneadas por Bolsonaro, com as presenças dos ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
Os oficiais teriam sido informados, pelo ex-presidente, segundo Mauro Cid, que o golpe seria desencadeado no início de janeiro, logo após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República.
Como de rotina, todos os citados na delação e as instituições a que foram ou estão vinculados contestaram a delação de Cid.
Agora cabe à Polícia Federal esclarecer pontos básicos: houve reuniões de Bolsonaro com os comandantes militares para planejamento do golpe?
Quantas reuniões foram feitas e onde?
Quais foram os participantes?
Quem aderiu e quem se recusou a aderir?
Houve alguma tentativa de articulação nacional?
As respostas deverão chegar ao fim de um longo e pedregoso caminho, a todo tempo sombreado por um grosso caldo verde-oliva de tensão.
No entanto, ele terá de ser percorrido e os culpados punidos com a cadeia – principalmente Jair Bolsonaro. É um momento horroroso para que imploda uma crise político-militar dessa profundidade e envergadura.
Ao contrário do anunciado, a situação econômica - a maior tragédia herdada do bolsonarismo - continua instável.
Há sinais positivos de queda da inflação e de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.
Porém o déficit fiscal zero em 2024 já se transformou em sonho de burocrata do Ministério da Fazenda.
Espaço decisivo para piorar ou melhorar a conjuntura desafiadora, o Congresso infelizmente rateia.
Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, apenas 9% dos eleitores confiam nas decisões dos deputados federais e senadores.
Um dos motivos seria a grande dificuldade de parlamentares de decidir entre o interesse nacional e os próprios interesses.
Haverá protestos.
Porém, fatos não ajudam, como demonstram dois episódios recentes.
No primeiro caso, com exceção do Psol e do Partido Novo, todas as demais legendas apoiaram uma reforma eleitoral que reduz o acesso de candidatos negros e mulheres a recursos financeiros públicos para as campanhas eleitorais, além de dificultar a fiscalização das prestações de contas das campanhas.
No segundo caso, a minirreforma ministerial, a negociação se arrastou por meses.
A rigor, nenhuma preocupação com qualidade da administração.
De um lado, o presidente Lula, querendo engrossar sua base entre a direita no Congresso; do outro, a base direitista, sempre ávida em abocanhar cargos e verbas.
Os conservadores ficaram com os ministérios dos Esportes e dos Portos e Aeroportos e já reivindicam a presidência da Caixa Econômica Federal e todas suas diretorias.
Lula ampliou sua base na direita, mas é uma incógnita como essa base argentária vai votar em decisões cruciais para o governo no Congresso.
Tal cenário econômico e político, ainda mais enquadrado pelo desemprego e uma insegurança alimentar de milhões de brasileiros, está evidentemente sendo monitorado pelos militares.
A tentativa golpista de Bolsonaro fracassou, entre outros motivos por falta de apoio consistente nos quartéis.
Contudo, Bolsonaro está vivo, mesmo inelegível tem força para influenciar o voto de milhões de brasileiros nas eleições municipais do próximo ano.
Sabem disso os presidenciáveis da “direita soft”, como a senadora Tereza Cristina e os governadores Tarcísio de Freitas, Romeu Zuma e Ratinho Jr.
Na emergência eleitoral, Bolsonaro pode receber um “verniz democrata” e contribuir para que a nova direita retome o poder, sem a torpeza da extrema direita bolsonarista.
Mantido o padrão médio de desmemória do eleitor, ainda persiste, dessa forma, a possibilidade de o ex-presidente, contrabandista e defensor de torturadores, subir nos palanques eleitorais em 2024 e 2026.
Inelegível, ele não pode ser votado, mas pode pedir votos.
Portanto, não é por falta de aviso.