Por Rafael Cavalcanti, em artigo enviado ao blog de Jamildo - Uma semana da tragédia que vitimou dois Policiais Militares e outras 6 pessoas e a urgente (e tardia) discussão sobre a Segurança Pública que o caso suscita (ou deveria suscitar) já começa a arrefecer sem termos um aprofundamento dos problemas estruturais históricos e gravíssimos que se encrustam em nossas instituições policiais e que deságuam numa relação conflituosamente contraditória entre polícia e povo.

Para além da violência enraizada em nossa sociedade desde a colônia (sim, nunca fomos um povo pacífico), juntamente com a sempre reinante impunidade e flexibilização no cumprimento das normas, há a ausência estatal nas áreas “profiláticas” para prevenirmos a criminalidade desenfreada (saúde, emprego, distribuição de renda, educação, moradia, etc), e essa ausência também recai numa desestruturação histórica e desumana nas instituições responsáveis por fiscalizar e prender os “infratores”.

A essência de toda instituição, pública ou privada, é o material humano que as compõem.

No caso das polícias, estamos falando de profissionais que desde o Império foram tratados quase com tanta perversidade quanto às camadas menos abastadas da sociedade, e pelo próprio Estado.

Mal remunerados, escalados para realizar o serviço mais ingrato e indigesto que é lidar com o crime, subjugados por uma hierarquia que muitas vezes se traveste de servidão para os debaixo da pirâmide das corporações, lidando com a parte mais tenebrosa das pessoas que é o aflorar da maldade humana, sendo (mal) treinados para uma “guerra”(?) muitas vezes contra os seus próprios vizinhos, trabalhando em locais insalubres que muitas vezes sequer se tem água para beber, com efetivos equivalentes a metade do mínimo necessário para dar conta do serviço, com formação anti-cidadã primitiva e belicista, com estruturas improvisadas literalmente caindo na cabeça dos servidores… é fato: ninguém gosta de polícia, principalmente os Governos.

E por tratá-la tão mal é que fica difícil exigir bons serviços.

Que fique claro que aqui não há qualquer intuito de passar pano ou fazer vista grossa para os excessos e erros cometidos por uma parcela, que é mínima, das instituições.

Estes devem pagar com todo rigor.

Mas há clichês que precisam ser repetidos pois são a mais rasa verdade: É loucura querer resultados diferentes fazendo tudo de errado na criação, estruturação e preparação de suas Polícias.

Sei que não é fácil tratar com o “braço armado” do Estado.

Mas, para avançarmos, precisamos entender que esse braço é feito de gente.

A grande maioria é sobrevivente das adversidades sociais (ou de parte delas) criadas pelo próprio Estado com sua intencional ausência e negligência.

A grande maioria lidando com opressões de todas as ordens dentro de sua própria instrução.

Todos treinados, por ação ou omissão, para fazer exatamente o que estamos fazendo, do jeito que estamos fazendo.

Então, já passou da hora da sociedade vir, junto com os policiais, construir a polícia mais próxima que for possível do melhor cuidado com o povo.

Assim começaremos a obter resultados diferentes.

Mais humanos.

Para todos. É obrigatória e indiscutível a elucidação de todas as mortes, e que as responsabilidades sejam devidamente distribuídas. É o mínimo exigível.

E que comecemos, desde já, a discutirmos com toda franqueza, “desarmados”, sobre as razões e as saídas para invertermos essa crescente violência, tratando Segurança Pública com a complexidade, profundidade e prioridade que a causa exige.

Porque Segurança Pública é algo muito além de polícia. É o cuidar das pessoas.

TODAS!

Rafael Cavalcanti é advogado, policial civil e presidente do Sinpol/PE