Por Ricardo Leitão - Tão íntimo de Jair Bolsonaro, seu então ajudante de ordens, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, tinha uma suíte privativa no Palácio da Alvorada, residência oficial do ex-presidente em Brasília.

No cargo, “cumprindo ordens superiores” (como alegam seus advogados), Cid comandou eficiente equipe fardada, capaz de articular uma intentona golpista, vender joias contrabandeadas nos Estados Unidos e falsificar cartões de vacinação – entre outras proezas.

Preso por cinco meses e interrogado durante mais de dez horas pela Polícia Federal, o tenente-coronel assinou acordo de delação, aprovado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

Foi solto, recebeu uma tornozeleira eletrônica, perdeu o porte de arma, teve o passaporte retido e está obrigado a se apresentar à justiça todas as segundas-feiras.

Em troca, irá informar à PF o que sabe sobre detalhes dos crimes em que está envolvido, ao lado de Bolsonaro e do núcleo duro do bolsonarismo.

A lista do que Mauro Cid sabe é grande: os preparativos para a intentona golpista do 8 de janeiro; a falsificação de um decreto que permitia a intervenção das Forças Armadas no Tribunal Superior Eleitoral; a entrega à mulher e à filha de Bolsonaro de cartões falsificados de vacinas contra a Covid; a operação para retirar da Receita Federal joias contrabandeadas que o ex-presidente alegava serem suas.

Mais: a organização de lives em que Bolsonaro mentia sobre a segurança das urnas eletrônicas; a reunião do ex-presidente, no Palácio da Alvorada, quando Bolsonaro recebeu, durante duas horas, o hacker Valter Delgatti, para tratar de fraudes nas urnas. É provável que a Polícia Federal já saiba muito em relação a esses pontos.

A delação do ex-ajudante de ordens, no entanto, servirá para ligar pontos ainda soltos nas investigações, o que alimenta a tensão crescente entre o clã Bolsonaro e seu entorno imediato.

O ex-presidente está isolado e nada pior do que tal situação para quem tem planos políticos e eleitorais.

Tornou-se um estorvo para os militares, mesmo os da direita, como também para o Partido Liberal, a legenda a que está filiado.

Testemunha o crescimento de candidaturas conservadoras à Presidência da República, em 2026, que cada vez mais dele se afastam para não serem intoxicadas.

A esperança de Bolsonaro é tentar convencer seguidores de que ele seria decisivo na eleição municipal do próximo ano.

Inelegível, não poderá concorrer, porém encontra-se liberado a pedir votos para os seus candidatos.

Contudo, a preservação do seu poder eleitoral dependerá – digamos – da mínima preservação do seu patrimônio moral.

Como isso já é coisa pastosa, a delação de Mauro Cid pode transformá-la em mingau de cachorro.

Veterano observador dos ventos, o jornalista Ruy Castro abre divergência.

Ele sustenta ainda existir eleitores do ex-presidente, chegando a dividi-los em três grupos.

No primeiro estão os cínicos, aqueles que conhecem Bolsonaro desde seus discursos como deputado federal, apoiando a tortura e os torturadores, e mantêm o seu voto.

O segundo grupo é formado pelos que acreditavam que o ex-presidente era um risco, mas poderia ser submetido à hierarquia e à disciplina.

Nesse grupo estão os militares arrependidos.

O terceiro grupo, por fim, é composto pelos hipnotizados pela fantasia de vestal e de aguerrido lutador contra a corrupção, que agora desabou de vez.

Por enquanto não é possível estimar quantos votos bolsonaristas ainda estão preservados nestes três grupos, que evidentemente podem crescer ou diminuir de acordo com a dinâmica da corrida eleitoral, já no próximo ano.

Nessa conta de somar e de diminuir o que Mauro Cid falar vale muito.

Ele pode ser um homem bomba e, portanto, precisa ser protegido com todo cuidado.

Em nenhum momento se deve esquecer que estamos, passo a passo, avançando em um lamaçal e, mesmo assim, escrevendo uma conturbada etapa da história do Brasil.

Ricardo Leitão é jornalista