Em todos os países, sejam centrais ou periféricos, independentemente de sua coloração política, uma nova unanimidade emerge de forma inconteste: a necessidade de atuação do Estado para atenuar o caos econômico provocado pela COVID-19.

A questão não é mais apenas suprimir as falhas do mercado ou reduzir a desigualdade social.

Trata-se de propiciar condições mínimas de manutenção do funcionamento do sistema econômico, propiciando condições para a continuação da produção e do consumo.

Outorgou-se ao Estado, pela premência das condições hodiernas, o papel de planejador, com a missão de fazer com que as políticas públicas possam ter eficiência, principalmente na área da saúde; fornecer crédito, a custo razoável para as empresas prosseguirem em suas atividades; garantir liquidez para o sistema financeiro, mas tentando evitar o empoçamento monetário, em que os bancos lucram mais emprestando para o governo; formatar planos emergenciais de distribuição de renda, principalmente para a população mais pobre; manter as cadeias produtivas em funcionamento; garantir o funcionamento dos ramais de logística para a distribuição de produtos essenciais e não essenciais; etc.

Não obstante o momento de crise, o Estado é e continuará sempre indispensável a qualquer tipo de sistema produtivo porque ele se configura imprescindível para executar determinadas atividades econômicas, como para coordenar, incentivar, planejar e fiscalizar; tudo com o objetivo de mitigar as desigualdades sociais e desenvolver políticas públicas para impulsionar o desenvolvimento econômico e social.

Novas funções demandam que até mesmo Estados com forte tradição não intervencionista, como os Estados Unidos, vislumbrem a necessidade de ampliar suas funções para garantir empregos para pessoas vulneráveis e instituir novas políticas de seguridade social.

A combinação de políticas monetárias e ficais que pode chegar até 10% do PIB global, segundo o Departamento Econômico e Social das Nações Unidas, talvez não seja suficiente para impulsionar o consumo como os legisladores esperam.

Segundo a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva, os países ocidentais já injetaram mais de US$ 16 trilhões, sem que esses recursos se refletissem no consumo ou nos investimentos produtivos.

Grande parte desse montante fica imobilizado, no que se configura como um “empoçamento da liquidez”, haja vista que nesses momentos de crise os bancos têm que garantir maiores recursos para se precaverem contra as inadimplências e há uma diminuição da demanda por novos empréstimos, tanto por parte das empresas, quanto por parte das pessoas físicas, em virtude das dificuldades e incertezas da economia.

Exemplifica muito bem essa situação, que obnubila a finalidade da liquidez, o fato de que os recursos monetários depositados em bancos norte-americanos subiram de $1.5 trilhão a $2.9 trilhão.

E o que pode ser pior: parte desse dinheiro pode servir para a compra de títulos governamentais, aumentando o lucro dos bancos, sem que esses valores sejam destinados à produção.

Um dos grandes entraves para o crescimento estatal é a falsa afirmação, completamente desmoralizada pela política do Quantitative Easing, de que quando há uma grande dívida pública – que no Brasil não é devido à irresponsabilidade dos governos, mas em razão da elevada taxa Selic que foi entronizada no cenário econômico durante décadas – a melhor política econômica a ser implementada é através de um corte de gastos do governo, mesmo que seja de serviços públicos básicos, para reduzir o déficit fiscal.

Todavia, os exemplos clássicos dessas medidas foram de um total desastre ao longo da História.

Em razão dos planos de alteridades fiscais, mesmo em países centrais, há um número cada vez maior de pessoas vivendo em situação precária, enfrentando insegurança no emprego, renda, moradia e até mesmo na alimentação.

A forma mais eficiente de debelar uma situação como essa, em que há um alto déficit fiscal, consistiria em fazer com que a economia crescesse mais rápido, propiciando uma maior arrecadação para solucionar o impasse fiscal.

Exemplo que pode ser mencionado é a Grã-Bretanha, que depois da Segunda Guerra Mundial tinha uma dívida de mais de 200% de seu PIB, mas implementou políticas de rápido crescimento durante algumas décadas e assim conseguiu solucionar o problema.

Em decorrência da junção do raquítico crescimento dos últimos anos, acrescido do caos provocado pela COVID-19, o Brasil enfrenta um quadro de grave depressão econômica, com possível queda de dois dígitos do PIB em 2020, acompanhada de um processo deflacionário.

Nessa situação, as empresas perdem receita e entram em processo de falência, a dívida interna explode, os trabalhadores perdem renda, o consumo desaba e a hipossuficiência chega a níveis espantosos.

Na maioria dos casos, os serviços que deixaram de ser prestados não serão realizados no futuro.

Simplesmente houve uma perda dessa demanda que não será reposta.

Mesmo depois de passados os efeitos da COVID-19, a economia não voltará ao seu status anterior à crise, nem o crescimento, muito provavelmente, voltará aos parâmetros anteriores.

Além do que, devido ao trauma provocado, os consumidores e as empresas terão medo de realizar gastos e investimentos em uma situação de alta insegurança.

O cenário mais provável se configura em um crescimento em “U”, em que o produto interno bruto cai de forma expressiva, permanece nesse baixo patamar e após um certo tempo retoma a sua fase de ascensão.

Se houver a esperança que a mão invisível do mercado possa atuar para suplantar a perversa crise, pode-se condenar a sociedade a mais uma “década perdida”.

A recuperação no Brasil será lenta.

Dos quatros pilares do desenvolvimento econômico, no pós-pandemia, nenhum deles estará à disposição para amparar o soerguimento econômico.

O investimento público é um dos mais baixos das últimas décadas; as famílias estão superendividadas; o cenário externo não é alvissareiro para nossas exportações, baseadas em commodities; e o capital privado, em razão da falta de expectativas benfazejas, não se encontra disposto a investir.

Assim, mais do que em qualquer outra época, o desenvolvimento depende da intervenção imprescindível do Estado.

A intervenção estatal é justificada porque o Estado é a instituição que melhor pode suprimir as falhas de mercado, que se configuram como um truísmo do sistema capitalista, em razão da existência de monopólios naturais, dos custos de transação, das externalidades, da necessidade de financiamento a juros acessíveis, etc.

Em estados de excepcionalidade, como o provocado pela pandemia da COVID-19, a prerrogativa de alocação eficiente de recursos deixa de ser factível, haja vista que ao invés de assimetrias de informações, passa a existir uma ausência de dados exequíveis que possam antever posições mínimas.

A insegurança jurídica e a ausência de standards claros fizeram com que a capacidade alocativa do mercado deixasse de existir, acarretando um “salve-se quem puder” que exponencializou a irracionalidade das forças produtivas.

Mesmo havendo um maior direcionamento de recursos financeiros, como as estruturas estatais encarregadas de aplicá-los estão desaparelhadas, com funcionários sem a qualificação técnica devida e sendo mal dirigidas, as políticas públicas realizadas não atingirão seus objetivos, pois as ineficiências da máquina estatal impedirão que os recursos sejam empregados de forma eficiente.

Diante do aumento da desigualdade em razão da grave crise econômica, urge a tomada de medidas enérgicas por parte do Estado, para minorá-las e garantir a sobrevivência com dignidade de parcela considerável da população, até porque se a desigualdade social permanecer nesses patamares, os pilares da manutenção do regime democrático estarão irremediavelmente fragilizados.

Nesse sentido, explica Calixto Salomão Filho que a redistribuição dos ativos sociais deve ser identificada como a grande função do Estado, haja vista que o particular e o mercado jamais realizarão essa missão.

Colaboração de Walber de Moura Agra, advogado