Depois de quase cinco meses de tramitação, a Câmara dos Deputados aprovou, às 22h04 de ontem, por 346 votos contra 92, o texto-base da reforma tributária em segundo turno.

Não houve alterações em relação à votação de primeiro turno, apesar de o Palácio do Planalto ter negociado várias modificações na proposta desde que ela chegou à Casa.

Apesar da vitória, os próprios governistas avaliam que a reforma terá que passar por novas alterações no Senado.

Exceto pelo placar e pelo horário, o texto acima se encaixaria como uma luva, com um ajuste aqui e ali, para retratar o que vivenciamos na tarde do dia 07 julho de 2023.

Na ocasião, o plenário da Câmara aprovou o segundo turno da Reforma Tributária e a enviou para o Senado.

Entretanto, o texto acima tem quase 20 anos.

Para ser exato, ele foi publicado na Folha de São Paulo, no dia 25 de setembro de 2003, pelos jornalistas Fernanda Krakovics e Ranier Bragon, esse último ainda no front, pelo mesmo veículo.

Analogias As semelhanças não estão apenas na aprovação pela Câmara de um tema que sempre foi e será bastante árido.

Há também analogias em outros fatos.

Tanto em 2003 quanto em 2023, o governo Lula: Enfrenta resistências na agenda econômica dentro do próprio PT.

Em 2003, o alvo era o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, a Reforma Tributária, a manutenção da CPMF, da DRU e a Reforma da Previdência dos servidores.

Agora, o ministro Fernando Haddad, a Reforma Tributária do Consumo e o Marco Fiscal.

O PT e sua coalizão não têm maioria na Cãmara e no Senado.

Partidos de fora da coalizão pressionam por mais espaço.

Em 2003, logo após as eleições presidências, Lula e o PMDB não chegaram a um acordo na composição ministerial.

O PMDB tinha feito parte da chapa presidencial de José Serra (PSDB), derrotado no pleito.

Em razão disso, o PMDB, que detinha uma das maiores bancadas nas duas Casas e considerado como um “partido âncora”, ficou com um espaço subdimensionado.

Hoje, em 2023, o PMDB da vez é o Centrão, em especial o PP, o Republicanos e o União Brasil.

No último pleito, o PP e o Republicanos apoiaram a campanha presidencial de Jair Bolsonaro (PL).

O União lançou a senadora Soraya Thronike.

Os três partidos reivindicam acomodações e mais espaços no Lula 3, para garantir a governabilidade e maioria nas votações.

Tais reinvindicações têm como principal articulador, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Aliança com adversários No primeiro mandato, Lula, que tinha José Dirceu como principal articulador, demorou mais tempo para ceder os espaços, para a turma do Centrão.

A reforma ministerial ocorreu apenas em janeiro de 2004 com a entrada de Eunício Oliveira (PMDB-CE) no ministério da Comunicações e de Amir Lando (PMDB-RO) na Previdência.

Eles faziam parte do “condomínio político” que estava em evidência naquela época.

Entre os expoentes já figuravam: Michel Temer (presidente do partido), José Sarney (presidente do Senado), Renan Calheiros (AL) e Roméro Juca (RO).

A dança das cadeiras de janeiro de 2004 atingiu seis ministros, grande parte representantes do PT e de partidos da esquerda como Cristovam Buarque (PT), Ricardo Berzoini (PT), Benedita da Silva (PT), Roberto Amaral (PSB) e Miro Teixeira (PDT).

Ao fazer as mudanças Lula disse que se tratava de uma “tarefa dolorosa, mas necessária”.

Acertos de conveniência Hoje, o PP de Arthur Lira tem na presidência o ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira.

Ele até tem feito críticas ao atual governo, mas dentro dos “acertos de conveniência”, o PP tem avançado nos seus pleitos por mais cargos no atual governo.

Assim como em 2003, Lula tem sido pragmático.

Para garantir o avançar das principais propostas da agenda econômica, o presidente começa a abrir espaços para atender ao grupo que esteve no lado oposto nas eleições de outubro, mas que pode ser o fiel da balança, na questão da governabilidade.

O primeiro passo foi com a confirmação, na sexta-feira (14) do deputado Celso Sabino como ministro do Turismo.

Apesar de ele não ser do PP, mas do União Brasil, Sabino é muito próximo de Arthur Lira.

Além de contar com o apoio da bancada da Câmara, ele pode ser considerado como da cota pessoal de Lira.

Foi Sabino quem coordenou a primeira campanha do alagoano para a presidência da Câmara, em 2021.

O deputado também esteve envolvido diretamente nas negociações das “emendas secretas” ou RP9, mecanismo pelo qual o Congresso passou a exercer um maior protagonismo no Orçamento da União e, consequentemente, no tabuleiro de Brasília.

Nos próximos meses, a dança das cadeiras também deve atingir outros ministérios.

Na mira estão Esporte, Portos e Aeroportos e Desenvolvimento e Industria. “Nós põe” (sic) Quem olha de fora pode até achar estranho porque a turma do Centrão tem pressionado para indicar ministros para pastas como a do Turismo, que hoje conta com um dos menores orçamentos da Esplanada.

Em conversa com um parlamentar, ele me disse que essa questão também surgiu numa rodinha de deputados.

A resposta de um dos presentes: “não tem problema, nós põe (sic)”.

Sim, por meio das emendas parlamentares, o ministério do Turismo pode ter o seu orçamento turbinado e dessa forma atender os congressistas na execução de emendas, nos respectivos redutos eleitorais.

Dessa forma, como muito pragmatismo na liberação de cargos e emendas, Lula vai abrindo caminho pelos labirintos de Brasília.

A expectativa com as mudanças no desenho da Esplanada é que o governo passe a contar nos próximos meses com 330 deputados dos 513.

Dessa forma, o presidente tem avançado, não no que quer, mas no que pode da agenda econômica.

E os primeiros resultados têm causado impacto no humor dos representantes do mercado financeiro que hoje, ao contrário de nove meses atrás, é mais favorável ao atual governo.

PS: Colaboração recebida de Erich Decat, head do time de análise política da corretora Warren Rena