Ana Maria Franca, coordenadora regional da ONG Fogo Cruzado em Pernambuco, escreve sobre a violência em Pernambuco.

Esses dados mudaram muito e isso assusta!

Cada parte do Brasil possui particularidades no tema da violência armada.

Cada estado tem uma tradição sobre o pensar segurança pública, uma dinâmica de violência e uma forma de lidar (ou não lidar) com ela.

Historicamente dizemos que o Rio de Janeiro tem muitos tiroteios e muitas balas perdidas e que em Pernambuco os tiros têm ‘alvo certo’, o que significava um baixo número de casos de balas perdidas, mas alto número de pessoas baleadas.

Como dá para notar, dados sobre violência armada têm muito a contar sobre cada região o país.

No entanto, olhando o ano de 2022, tivemos algumas surpresas em relação ao conhecimento acumulado sobre as vítimas da violência armada em Pernambuco.

Os dados do Relatório Anual de 2022 do Instituto Fogo Cruzado mostraram que aumentou o número de casos de balas perdidas na Região Metropolitana do Recife.

Os casos de balas perdidas e duplo homicídio nos chamaram atenção.

Os registros de balas perdidas cresceram 143% em 2022: foram 68 baleados, 10 mortos e 58 feridos, assim como os mortos em homicídios múltiplos, 76 casos, um aumento de 31%.

Os dois dados combinados dizem muito sobre Recife e Região Metropolitana.

Afinal, 2022 foi o ano em que mais registramos mortes por tiro em Pernambuco: foram 1307.

Para comparação, esse número foi de 1264 em 2021.

O ano de 2022 mexeu com o que o pernambucano sente sobre segurança.

Quem não convivia com a violência armada, sentiu-se mais perto dela.

Quem já convivia, infelizmente, teve ainda mais motivos para temer.

Recortes são fundamentais: morre-se mais nas periferias, e mata-se mais pessoas pretas; o feminicídio também é uma barbárie que assistimos em repetição ao longo de 2022.

Em muitos casos, a arma de fogo foi usada para que as vítimas não tivessem chance de escapar.

Casos emblemáticos deram a dimensão de que os ciclos de violência não são um problema dos outros.

Amigos de escola de Heloysa Gabrielle, menina de 6 anos morta por uma bala perdida enquanto brincava no terraço de casa, em Porto de Galinhas, Ipojuca (PE), mesmo crianças, já sabem o estrago da violência.

Os vizinhos daqueles adolescentes de 13, 15 e 17 anos, assassinados em um salão de beleza no bairro do Totó, no Recife, sabem o estrago da violência.

Familiares daquela mulher grávida de 3 meses assassinada pelo marido, um PM que matou a esposa, e familiares dos outros dois colegas de batalhão mortos por ele, também sabem o estrago da violência; assim como as testemunhas da morte daquela jovem vítima de uma bala perdida em plena avenida Conde da Boa Vista, no centro do Recife.

Feminicídios, balas perdidas, duplos assassinatos, crianças e adolescentes vítimas da violência armada.

No estado que anos atrás lançou o Pacto Pela Vida, programa de redução de homicídios muito premiado, o que se vê, hoje, é uma população tentando sobreviver.

A governadora eleita Raquel Lyra (PSDB) tem um desafio pela frente tão difícil quanto urgente: uma reforma na segurança pública que torne a Região Metropolitana do Recife mais segura e digna para os moradores, especialmente àqueles que convivem mais diretamente com a violência armada.

Pernambuco, estado que já foi referência em segurança pública, de passado rico e presente desigual e violento, merece ter um futuro melhor.

Cobraremos.