Gutierres Fernandes Siqueira é teólogo e jornalista; autor do livro “Quem tem medo dos evangélicos?” (Editora Mundo Cristão).
Veja o artigo abaixo O dia 8 de janeiro de 2023 ficará marcado como o pior dia da democracia brasileira desde a redemocratização.
Nas filmagens é possível observar que parte dos extremistas oravam e carregavam Bíblias, o que faz crer que são evangélicos, base eleitoral importante do ex-presidente. É a extrema-direita religiosa em ação.
Este fenômeno não é novo, mas é crescente.
Trata-se de uma forma de nacionalismo religioso que se concentra na promoção e proteção da religião cristã evangélica em uma determinada nação.
Isso pode incluir a implementação de leis e políticas baseadas no evangelicalismo, a promoção de programas educacionais e culturais, e a defesa de práticas e costumes evangélicos.
Mas, tudo isso, desprezando os valores da democracia liberal. É fruto de uma leitura errônea do conceito de “nação cristã” ou “nação escolhida”.
A ideia de “nação escolhida” é uma expressão bíblica que se refere ao povo de Israel, que conforme a tradição judaica e cristã, foi escolhido por Deus para ser um povo especial e receber a graça de Deus.
Segundo a Bíblia, Deus escolheu o povo de Israel para ser um exemplo para outras nações.
Mas, conforme as Escrituras, apenas Israel serviu a Deus como nação escolhida.
Depois de Israel, não houve, não há e nem haverá nação escolhida.
Qualquer leitura que faça em qualquer país usurpa o papel da Igreja como nação escolhida.
A Igreja não é nacional, mas transnacional; não é parte de uma cultura, mas abarca todas as culturas.
Os nacionalistas cristãos querem fazer de sua nação um novo Israel, mas o novo Israel é a Igreja de Jesus Cristo.
O nacionalismo evangélico é também sedutor para muitos pastores e líderes da Igreja.
Afinal, é uma forma de exercer poder.
Mas, como todo tipo de poder, está envolto em vários perigos: Falta de humildade: geralmente produz arrogância e superioridade religiosa, contrária aos ensinamentos bíblicos de humildade e amor ao próximo.
Desvio da missão: desvia a missão cristã e da mensagem do Evangelho a todas as pessoas e foca na defesa de interesses nacionais e eleitorais.
A polarização: leva a uma polarização religiosa e política na sociedade, prejudica a unidade e o diálogo entre diferentes grupos.
Além disso, a polarização namora as obras da carne ao cultivar dissensão, ira e sectarismo.
Foco na política em vez da espiritualidade: o radicalismo leva os evangélicos a se concentrarem mais na política e no poder terreno do que na vida espiritual e no amor ao próximo. É excessivamente ativista e pouco piedoso; é engajado, mas nada generoso; é transtornador, mas nada transformador.
Perigo de misturar religião e política: leva a conflitos e violência, e que os evangélicos devem se concentrar em praticar sua fé de forma pacífica e respeitosa.
Embora seja impossível cultivar uma religião neutra politicamente, é necessário separar Igreja e Estado, fé e política.
Separar não é divorciar completamente, mas é saber discernir quando a aproximação é saudável ou não.
Dependência da cultura do medo e teorias conspiratórias: o nacionalismo cristão, como todo nacionalismo, precisa de inimigos, nem que sejam inimigos imaginários inventados em teorias conspiratórias.
Em sua guerra cultural, os nacionalistas respiram ameaças e vivem em um mundo binário de constante estado de conflito.
Vários extremistas depredaram o patrimônio público enquanto oravam.
Esse tipo de ato é sacrilégio da fé.
Jesus elogiou os pacificadores.
Paulo disse que a nossa luta não é contra carne e sangue.
O cristianismo nos ensinou que o amor é mais forte do que o poder das armas.
O dia 8 de janeiro é uma vergonha para a democracia brasileira, mas também para parte da Igreja que esqueceu o Evangelho.