Em sua carta de agosto de 2022, a empresa Ace Capital comenta aspectos das eleições deste ano.
A empresa do mercado financeiro sugere mais cautela na hora de assumir um resultado faltando quase um mês para as eleições, diante da profusão de pesquisas. “A onda de certeza que vem marcando esta eleição tem levado muitos a ignorar até questionamentos comuns”, afirma em dado momento, ao falar do voto envergonhado (“shy voter”). “O momento econômico atual é bastante favorável ao incumbente (Bolsonaro) e isso deve continuar e se intensificar nas próximas semanas”, afirma.
Veja os termos do relatório abaixo, na íntegra: A eleição presidencial já contabiliza mais pesquisas que em todos os registros anteriores.
Além das presenciais, em domicílio e pontos de fluxo, as telefônicas, aplicadas por pessoas e robôs, e as via internet, tornaram-se regra neste pleito. É tanta informação, e com tanta variância, que se multiplicou o uso de agregadores, na esperança de que a verdade esteja na média.
Mas, apesar da dificuldade de fazer previsões certeiras com dados tão erráticos, faltando ainda quase um mês até o primeiro turno, estamos nos deparando com muito menos cautela nas conclusões que acreditamos que o momento pede. É neste sentido que achamos importante relembrar aqui as incertezas inerentes à realização das pesquisas de opinião.
Perspectiva histórica Antes de discutir o quão anormal é a dispersão das pesquisas atuais, queremos lembrar que, mesmo com maior convergência de resultados, a experiência das eleições passadas já nos indica maior cautela na hora de assumir um resultado faltando quase um mês para as eleições.
Fonte dos dados são pesquisa Ibope e Datafolha - Reprodução Observando os resultados das pesquisas disponíveis, em janela próxima a atual, vemos que desde as eleições de 2002 há uma diferença bastante significativa quando comparado ao que de fato aconteceu na apuração de 1º turno. É difícil sequer apontar coerência na movimentação dos votos dentro de uma mesma frente política – em 2002 o então candidato do PT ganhou votos, enquanto em 2006 e 2010 perdeu votos, e em 2014 não variou; já o outro candidato que disputou o 2º turno, ganhou em 2002, 2006 e 2014, e em 2010 não variou.
A eleição de 2018 foi anômala, além do então candidato Jair Bolsonaro ter sofrido um atentado em 6 de setembro daquele ano, a candidatura de Fernando Haddad foi anunciada pelo PT em 11 de setembro (com o registro aprovado pelo TSE somente em 25 de setembro).
Mas, mesmo considerando tanto os números anteriores como os posteriores aos dois eventos anômalos, podemos observar que as pesquisas não captaram devidamente o movimento antes do primeiro turno. detalhe do estudo da ACE Capital - Reprodução Em outras palavras, não há evidência histórica que ateste a capacidade preditiva das pesquisas eleitorais registradas e divulgadas a um mês da eleição propriamente dita.
Mesmo às vésperas da eleição os números dos institutos não estão livres de erros.
Cabe ressaltarmos também que não há casos de virada na história das eleições presidenciais, quem chegou na frente no 1º turno ganhou a eleição todas as vezes.
E, mesmo considerando as eleições para Governador, casos de viradas entre o 1º e 2º turno são outliers.
Retrato atual Para retratar esta eleição de 2022, trazemos um olhar sobre as pesquisas registradas, realizadas e publicadas na última semana de agosto, revisitando algumas de suas particularidades e potenciais fontes de erro, e mostrando a grande discrepância em uma mesma janela de tempo (gráfico abaixo, com tabela detalhada ao final).
Apesar de todas terem sido realizadas entre 19 de Agosto e 1º de Setembro, observamos resultados muito diferentes.
Algumas pesquisas dão o pleito como terminado no primeiro turno, muitas mostram um gap na casa de um dígito, e outras indicam um empate na margem de erro.
ACE Capital analisa papel das pesquisas nas eleições - Reprodução A onda de certeza que vem marcando esta eleição tem levado muitos a ignorar até questionamentos comuns, como: (1) a ordem das perguntas nos questionários e o efeito deletério de fazer perguntas de contexto antes da intenção de voto; (2) o impacto do “shy voter” sobre a Não Resposta; (3) a própria diferença absoluta no percentual de Não Resposta, sejam Brancos, Nulos, Nenhum ou Não Sabe no total do Brasil, e nos Estados e Regiões em particular.
Podemos apontar as mais variadas explicações, conforme podem ser vistas na tabela ao final.
Escolhemos ressaltar alguns dos pontos de divergência na Metodologia do campo, no Perfil das amostras e na Seleção, Ponderação e Calibração dos resultados, que justificariam que mesmo processos idôneos de pesquisa produzam resultados tão absurdamente diferentes.
Primeiro, é preciso se atentar a variabilidade relacionada à Metodologia, são cinco formas diferentes de realizar as entrevistas: A pesquisas Presenciais, que podem ser domiciliares (1) ou em pontos de fluxo (2), são defendidas como as únicas que falam com um Brasil de verdade, entrevistando os mais vulneráveis e indo até as regiões mais remotas.
Mas, dado o alto risco de segurança, e a verticalização urbana, é preciso questionar como e com quem são feitas estas entrevistas pessoais domiciliares.
E, com as mudanças na forma de trabalho pós-pandemia, trabalho híbrido, mudança e fechamento de empresas, os pontos de fluxo ainda carecem de melhor avaliação.
As pesquisas Telefônicas, que podem ser aplicadas por entrevistadores (3) ou robôs (4), parecem ter maior representatividade, com a dispersão de entrevistas em um número muito maior de municípios.
Mas desconhecemos o viés no perfil de quem atualmente atende ao telefonema de um número desconhecido, e não desconfia que possa estar sofrendo um golpe.
E, as entrevistas robotizadas, que acabam fazendo um número muito maior de ligações, carregam outros vieses ainda pouco estudados.
As pesquisas Web (5) utilizam algoritmos que permitem criar amostras mais precisas, e seus custos permitem mais entrevistas e menor margem de erro.
Mas nos perguntamos o quanto este ‘Brasil conectado’ que responde as pesquisas de fato espelha a realidade, face à conhecida desigualdade digital; além de ainda carecermos de mais informações sobre o funcionamento dos algoritmos.
Segundo, o Perfil da amostra utilizada é outro conhecido potencial de incertezas.
Quando comparamos o perfil, observamos que a única coisa em comum entre os Institutos são as proporções de Sexo e Idade.
Mesmo a outra variável comum aos desenhos, a Escolaridade, apresenta percentuais muito diferentes de Ensino Superior.
Destacamos os problemas com variável Renda, que voltou a ser comumente utilizada.
Como o último censo demográfico foi realizado em 2010, não temos informação precisa sobre o percentual de pessoas em cada faixa de renda.
Para se ter uma ideia da discrepância, as pesquisas realizadas no Estado de São Paulo trabalham com percentuais de “até 2 salários-mínimos” que variam de 25% em pesquisas Web, 35% em pesquisas Telefônicas, até 50% em pesquisas Presenciais.
Quando observamos outros Estados e outras Regiões, e mesmo o Brasil como um todo, as distorções são ainda maiores.
Também é importante destacarmos a variável Religião, cujo percentual atribuído ou encontrado em cada crença varia muito entre os institutos.
Além da indicação de especialistas sobre a mudança do perfil da religião desde o último censo, acreditamos que esta variável mereça maior atenção, particularmente neste período eleitoral, onde encontramos uma alta correlação com a decisão de voto.
Por último, ainda é preciso apontar que um novo conjunto de técnicas estatísticas de seleção, ponderação e calibração vem sendo usadas pelos institutos.
Random Digit Dialing e Random Digit Recruitment estão sendo utilizados mais comumente em pesquisas telefônicas e online, com especificações muito diferentes e ainda não totalmente esclarecidas.
Ponderação Paramétricas e do tipo RAKE viraram uma regra, como se aplicar um conjunto de pesos corrigisse problemas de pesquisa.
E, por fim, cabe falar da calibração aplicada, sem que a difusão do uso tenha sido acompanhada de uma discussão profunda e transparente de seu efeito.
Variáveis como ‘Voto na Eleição de 2018’, por exemplo, que aparentemente está sendo utilizada para ajuste dos resultados, além de não ser citada no registro das pesquisas, desconsidera que as particularidades da eleição atual, além do efeito da pandemia, podem fazer com que a “memória do voto” não seja o calibrador mais adequado.
Para consultoria, momento beneficia Bolsonaro - Reprodução Conclusão A despeito da visão majoritária de amplo favoritismo do ex-presidente Lula, em nossa perspectiva o resultado da eleição é, no mínimo, incerto.
Além do histórico mostrar que eleição não é um evento estático, imutável, muito pelo contrário, é uma metamorfose ambulante, utilizar os resultados das pesquisas hoje como uma predição certa e segura do resultado das eleições é, no nosso entender, desaconselhável.
Lula tem um ponto de partida mais favorável, porém a tendência atual beneficia Bolsonaro.
O momento econômico atual é bastante favorável ao incumbente e isso deve continuar e se intensificar nas próximas semanas.
Portanto, na ausência de algum grande evento anômalo (ex: 7/set) ou imponderável, acreditamos que essa eleição será muito mais apertada do que julgam a maioria dos analistas e agentes de mercado.