Cecília Olliveira, Diretora Executiva do site Fogo Cruzado, faz uma contextualização da violência no Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca, nos anos recentes.

Na sua avaliação, na esteira da queda dos investimentos estruturadores, grupos nacionais de criminosos ampliaram sua atuação no local, cujo porto facilita o escoamento de drogas para o exterior, aliás, como ocorre com os grandes portos nacionais, mesmos nas metrópoles mais desenvolvidas.

Neste ano de eleições, o debate de segurança pública volta à tona, mas a coordenadora do site mostra que o problema é bem mais complexo…

Sabe o que está acontecendo no Cabo de Santo Agostinho?

Por Cecília Olliveira, em artigo enviado ao blog Quando criei o Fogo Cruzado, em 2016, tinha em mente algo bastante concreto: queria ajudar a superar a carência de informação sobre violência armada no Brasil.

São seis anos contando tiros, chacinas, vítimas e outros tantos indicadores e mesmo assim tenho certeza que ainda temos um longo caminho pela frente para cumprir nossa missão.

Quer entender por quê?

Responda, por favor: você sabe o que está acontecendo no Cabo de Santo Agostinho em Pernambuco nas últimas semanas?

Se você sabe, fico um tanto surpresa.

Porque a situação por lá é grave e praticamente não tem repercussão na imprensa nacional ou entre a classe política.

Não sabe?

Vem comigo que esta é uma história que precisa ser contada.

Essa história tem disputas entre facções, exportação de drogas e muitas mortes a tiros.

A cidade está brutalmente tomada pela violência e o governo do estado não consegue controlar.

Primeiro é importante localizar o Cabo no mapa do Brasil: o município está no litoral de Pernambuco e faz parte da Região Metropolitana do Recife. É tratado por alguns historiadores como a primeira porção de terra avistada por um colonizador. É que o navegador espanhol Vicente Pinzón teria desembarcado no Cabo em janeiro de 1500, três meses antes da entrada de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro, na Bahia.

A cidade cresceu.

Muito.

E mais um pouco.

Hoje, o Cabo de Santo Agostinho abriga, junto com a cidade de Ipojuca, o Complexo Industrial de Suape.

O Porto de Suape está conectado com os principais portos da Europa, da América do Sul e do Norte.

Está fazendo o link?

Nos dois municípios sob influência direta de Suape – Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca – a taxa de mortes violentas aumentou no período da queda de atividade do complexo, iniciado em 2015 - Foto: JC Imagem Em 2014, a Refinaria Abreu e Lima foi inaugurada no Complexo de Suape; o pólo de petróleo, tratado como a mais moderna refinaria do país, prometeu gerar milhares de empregos durante sua construção.

Muita gente foi morar na região por causa disso.

As populações do Cabo e de Ipojuca aumentaram, mas os empregos começaram a diminuir quando a Petrobras - e todo o país - entrou em ebulição.

Esses detalhes têm tudo a ver com a história que quero contar.

A violência armada no Cabo de Santo Agostinho começou a se acentuar nesta época da redução do otimismo com o porto.

As facções que controlam o tráfico de drogas da região cresceram e se juntaram aos grupos armados que saíram do Sudeste e se expandiram pelo Brasil.

O Trem Bala, facção pernambucana que domina áreas de Ipojuca e do Cabo, é uma espécie de filial local do PCC, o Primeiro Comando da Capital.

Recentemente, investigações apontaram o surgimento de uma rival: o Comando Litoral Sul (CLS), que se aliou ao Comando Vermelho (CV) e tem se tornado cada vez mais forte no Cabo.

Essas duas facções dominam geral.

Não é exagero.

Ao longo de meses, um grupo armado usou uma casa como central de monitoramento da região.

Ao todo, 28 câmeras de segurança vigiavam a movimentação das ruas, auxiliando os traficantes de drogas.

Quem comandava esse esquema, acredite, estava dentro de um presídio.

A central de monitoramento foi encontrada em abril deste ano pela polícia.

Também em abril , uma mulher foi assassinada na frente dos filhos com mais de dez tiros.

Em junho, uma criança de 7 anos foi morta dentro de casa.

Naquele mesmo mês, uma professora de 63 anos foi assassinada a tiros enquanto passeava na rua com seu cachorro - que também foi baleado e morto.

O motivo é absurdo: o tráfico local mandou moradores e síndicos de prédios retirarem as câmeras de seguranças dos imóveis.

Eles não queriam ser monitorados.

Edna de Souza Fonseca, que havia instalado o equipamento na porta de casa, se negou a retirá-lo.

Um mês depois, foi alvo dos tiros.

Essa foi uma das 708 mortes por armas de fogo no Grande Recife, de janeiro a junho deste ano.

Isso mesmo: mais de 700 mortes em seis meses.

O Cabo de Santo Agostinho está vivendo o caos e tudo isso acontece debaixo dos narizes das autoridades públicas.

O Pacto pela Vida, projeto de redução da violência que é tratado como carro-chefe da segurança pública pernambucana, está murcho há alguns anos.

Pernambuco, apesar de ser o quinto estado mais violento do país, foi o terceiro estado que mais reduziu gastos em segurança.

Tem lógica uma coisa dessa?

Os dados são do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. É ano eleitoral e a gente sabe como funciona: ninguém tem muita vontade de resolver problemas a longo prazo, porque não geram votos.

Como fica a população de Cabo de Santo Agostinho?

Quem liga?