Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog A frase delicada é de Jair Bolsonaro, evidentemente.
Sua Excelência, então, se referia à Lei Rouanet, sancionada em 1991 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, para financiar projetos culturais.
Sofreu ataques intensos do bolsonarismo, mas sobreviveu, anêmica. “Acabou a teta gorda”, no entanto, traduziu a aversão de Bolsonaro à cultura e aos trabalhadores da cultura, que perseguiu desde o início do seu desgoverno.
Dito e feito.
No dia 5 passado o presidente da República vetou integralmente a Lei Aldir Blanc, que criava uma política nacional permanente para o setor cultural.
A medida previa repasses anuais de R$ 3 bilhões para o Distrito Federal, estados e municípios, durante cinco anos, a partir de 2023.
O veto poderá ser derrubado pelo Congresso, com o voto, pelo menos, de 257 deputados federais e 41 senadores.
Até a votação continua valendo a decisão de Bolsonaro.
O setor cultural emprega hoje no Brasil cerca de 5 milhões de pessoas.
Foi fortemente atingido pelas consequências da pandemia, quando espaços públicos para apresentações artísticas ficaram vazios.
A Lei Aldir Blanc pretendia, por meio de seleção pública de projetos artísticos ou subsídio, reavivar o setor, com ações de incentivo financeiro.
O nome da lei é uma homenagem ao cronista e compositor carioca Aldir Blanc, autor de clássicos como “O bêbado e o equilibrista”.
Blanc morreu aos 73 anos, vítima da Covid-19, em 4 de maio de 2020 – no mesmo dia em que Bolsonaro vetou a lei que traz o seu nome.
Como é rotina acontecer nas decisões de Sua Excelência, a repercussão foi péssima no setor cultural e no Congresso, ainda mais porque não será fácil derrubar o veto, por maioria absoluta em sessão especial, na largada da campanha eleitoral.
Bolsonaro venceu provisoriamente essa batalha, como já vencera em abril passado, quando também vetou a Lei Paulo Gustavo, que destinava R$ 3,8 bilhões para incentivar as atividades dos milhões de trabalhadores culturais.
Não há qualquer política cultural no desgoverno bolsonarista, como igualmente não há política econômica; de saúde; de educação e de meio ambiente, para citar apenas as maiores tragédias.
Disso foi exemplar o convite de Sua Excelência à atriz Regina Duarte, graciosa apoiadora da direita, para conceber uma política cultural do desgoverno.
Depois de se apresentar ao líder batendo continência, foi defenestrada em pouco tempo.
Depois, nada, além dos vetos às Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, por incompreensível “interesse público”.
Autocratas e ditadores detestam produtoras e produtores de cultura; profissionais do teatro, artes visuais e cinema; música; fotografia e artesanato; museus e patrimônio, além dos milhares dos profissionais de apoio.
Para eles, são um bando de críticos, defensores dos maus costumes, que não merecem “tetas gordas” e sim censura e ódio das famílias de bem.
Essa atmosfera de desinformação e belicismo tem apoio da extrema direita e faz lembrar episódios de grave violência física contra trabalhadores da cultura, como o espancamento de atores que encenavam, em Porto Alegre, durante a ditadura, a peça “Roda viva”, do “esquerdista” Chico Buarque de Holanda.
A censura, a repressão, a ojeriza à crítica, a ignorância cultural, marcas do desgoverno, permanecerão e serão defendidas por Bolsonaro na campanha eleitoral presidencial – da qual ele diz que vai participar – se antes não encontrar espaço e apoio para um golpe de Estado.
Em seus miolos, gesto cultural é algo parecido com a continência de Regina Duarte.
Por respeito aos trabalhadores do setor cultural, que lutaram e lutam contra o arbítrio e a violência, nunca será.