São Paulo teve amplo sucesso no uso de câmaras para acompanhar a atividade policial e agora o Rio de Janeiro deve começar a fazer uso também.
Quais são as vantagens do uso?
Por Cecília OlliveiraDiretora Executiva do site Fogo Cruzado, em artigo enviado ao blog Primeiro sumiram objetos pequenos como perfumes, roupas e bijuterias.
Depois, a televisão do quarto e o fogão da cozinha.
Quando já não havia quase nada para levar, começaram a arrombar portas e levar tomadas, lâmpadas, chuveiro.
Até o quadro de energia foi furtado.
Ao ouvir essa história, você pode pensar: “o Rio de Janeiro está mesmo perigoso e a polícia precisa agir”.
O problema é que essa acusação é justamente contra policiais.
Está tudo registrado: cansada de ver sua casa arruinada por policiais militares toda vez que passava alguns dias fora, uma moradora do Jacarezinho instalou câmeras e começou a gravar a ação dos agentes.
Desde que o Cidade Integrada começou, em janeiro, moradores do Jacarezinho denunciam uma série de abusos policiais: invasão de casas sem mandado, furtos e agressões.
E isso não é novidade.
Meses atrás, um morador da Vila Aliança filmou PMs roubando carne, água de coco, vidro de perfume e caixa de som portátil. ‘Essa daqui é boa.
JBL’, diz um PM a outro.
O caso da residência depredada no Jacarezinho está sob responsabilidade do Ministério Público, que agora precisa investigar a sério.
Mas com o fim do GAESP/MP (Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública), a esperança diminui.
O Ministério Público tem entre suas funções o controle externo da atividade policial e o GAESP era quem fiscalizava e investigava o trabalho das polícias.
Era deles o dever de analisar más condutas, abusos e mortes cometidas por agentes de segurança.
Foi preciso muita pressão pública para que o MP criasse um grupo temporário com funções semelhantes, mas que nem de longe lembra a estrutura e o robusto organograma do GAESP.
Você que acompanha notícias sobre o Rio de Janeiro pense aqui comigo: por que alguém enfraqueceria a investigação de policiais corruptos?
O Ministério Público tem grandes responsabilidades sobre como será o futuro da segurança pública do Rio.
A Chacina do Jacarezinho, que completou um ano no último dia 6, teve 10 das 13 inquéritos do Ministério Público arquivados - isso significa que as investigações sobre 23 mortes foram para a gaveta a pedido do órgão.
Sabe por que a maioria dos inquéritos foram arquivados?
O MP diz que encontrou dificuldade para localizar testemunhas, que não há provas para refutar o que foi dito pelos policiais - eles alegam legítima defesa - e que os laudos não sugerem execuções, nem fraudes processuais como alteração da cena do crime.
Ninguém gravou o que aconteceu.
Não há registros. É a palavra do Estado contra a população.
Sabe quem poderia fazer um trabalho com menos dificuldades?
Um órgão fiscalizador que existisse na prática.
Mesmo assim, duas denúncias foram aceitas pela Justiça e uma investigação segue em andamento.
Dois policiais civis são réus por homicídio e fraude processual no caso de Omar Pereira da Silva, 21, morto dentro do quarto de uma criança - a imagem correu o mundo, lembram?
A garota nunca mais quis dormir no quarto e segue em tratamento psicológico.
A audiência está marcada para 29 de junho.
Agora temos uma nova-velha novidade.
O governo do estado do Rio disse que vai instalar câmeras nos uniformes de policiais militares a partir da próxima segunda-feira (16).
Na primeira etapa, dez batalhões do eixo Zona Sul-Centro-Tijuca serão equipados.
No final de junho, batalhões da PM na Baixada, São Gonçalo e bairros da Zona Norte receberão as bodycams, mais de seis meses depois da licitação inicial.
Mas vamos dar um passinho atrás.
Em 2014, câmeras instaladas numa viatura filmou policiais executando um adolescente no Morro do Sumaré, na Zona Norte do Rio.
No vídeo eles diziam que “queriam bater a meta”, queriam matar mais.
Na época, os policiais disseram que o garoto estava assaltando no Centro da cidade - mas o vídeo desmentiu tudo.
Em 2020 o MP cobrou a instalação de câmeras nas viaturas - uma lei de 2009!
Mais de uma década atrás.
Quem vigia o vigia?
As câmeras voltaram à pauta com mais força depois que mortes cometidas policiais caíram em São Paulo - e muito.
Os 18 batalhões paulistas que usaram bodycams registraram queda de 85% no número de mortes em operações, nos sete meses seguintes à instalação.
E detalhe: a morte de policiais também caiu.
Nos Estados Unidos, dois estudos realizados na Califórnia e em Las Vegas mostraram uma queda considerável na violência policial após a implementação das câmeras.
Exemplos existem, mas as câmeras não vão solucionar o problema da segurança pública do Rio de Janeiro sozinhas.
O sistema precisa funcionar em todas as suas etapas: o governo precisa passar a tratar a segurança como um projeto de Estado, não de governo, com foco na eleição.
A polícia precisa ter um plano de atuação que priorize a vida da população - inclusive a de seus próprios agentes.
Os órgãos de controle precisam apurar os erros de maneira séria e rápida.
A notícia das câmeras parece realmente boa, mas a tecnologia não resolve tudo.
Converso muito sobre isso com o Pablo Nunes, conselheiro do Fogo Cruzado.
Ele é doutor em ciência política e agora se debruça sobre o uso de tecnologia na segurança pública, no Panóptico.
Em um destes papos ele lançou uma pergunta que vai continuar ecoando por um tempo - e creio que sem resposta: por que não se pensa em criar ou fortalecer conselhos multisetoriais para acompanhar a segurança pública?
A gente mal produz dados!
Sequer temos um banco nacional de homicídios ou um banco unificado sobre posse e porte de armas.
Isso significa que não temos um diagnóstico fidedigno da segurança no Brasil.
Existem diversos tipos de uso de bodycams e nem todas têm objetivos para o controle e fiscalização da ação policial, como o proposto para o Rio.
Precisamos estar atentos a detalhes técnicos e operacionais como: onde estas imagens são armazenadas, por quanto tempo, quem tem acesso a elas - especialmente conhecendo o que acontece com o whatsapp?
Não adianta tapar o sol com a peneira.