Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Ao perdoar o deputado federal Daniel Silveira (PTB – RJ), condenado a 8 anos e 9 meses de prisão por 10 dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Jair Bolsonaro mais uma vez investiu na crise institucional , insuflando o golpe que tanto persegue.
Nesse jogo arriscado, Silveira é um personagem minúsculo, da ala marombada do bolsonarismo.
Ganhou notariedade pela primeira vez ao destruir a placa da rua que homenageava Marielle Franco, assassinada por milicianos no Rio de Janeiro.
Antes, fora expulso da PM estadual depois de receber mais de 100 punições.
Chegou à Câmara dos Deputados arrastado pela onda conservadora que elegeu Bolsonaro em 2018.
Deveria ter tido o mandato cassado em fevereiro de 2021, quando distribuiu vídeo com ameaças à democracia e à vida de ministros do STF.
Sem receber qualquer punição, avançou na defesa das teses da extrema direita até ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo, pelos crimes de tentar impedir o livre exercício dos Poderes, de coação no curso do processo e de incitação à animosidade entre as Forças Armadas.
Além da prisão de 9 anos e 8 meses, o STF cassou o mandato parlamentar de Silveira e suspendeu seus direitos políticos pelo igual período da pena de reclusão.
Foi essa joia do bolsonarismo que Sua Excelência perdoou, mediante decreto publicado no Diário Oficial da União menos de 24 horas depois de conhecida a decisão do tribunal.
O ato de Bolsonaro, sem precedentes desde a redemocratização, em 1985, é uma afronta aos ministros do STF – última instância do Poder Judiciário.
Alertado para o impasse criado, Sua Excelência adiantou que não vai recuar: quer anular a prisão e devolver o mandato e os direitos políticos de Silveira, a essa altura saudado como herói da extrema direita, cogitando até se candidatar a senador pelo Rio de Janeiro.
Os que são capazes de sentir cheiro de queimado no ar movimentam-se para superar a crise em meio ao processo eleitoral, impasse propositadamente gerado pelo presidente.
Nesse esforço estão envolvidos o Congresso, constitucionalistas e a Ordem dos Advogados do Brasil.
Em maior ou menor proporção, todos reconhecem que a Constituição dá a Bolsonaro o poder de perdoar condenados, mas não um criminoso como Daniel Silveira.
Sua Excelência agiu exclusivamente por interesses pessoais e políticos, como fez antes, ao convidar o aliado Silveira para participar de solenidade no Palácio do Planalto, quando o comportamento do parlamentar miliciano já era um escândalo.
Da tensa busca por saídas, se chegou, por enquanto, a uma fórmula intermediária: o Supremo mantém a condenação de Silveira a 8 anos e 9 meses de prisão, e Bolsonaro o perdoa da pena, no entanto o deputado bolsonarista continua inelegível.
Uma proposta de saída que não significa uma solução.
Os ministros do STF podem não concordar, embasados em quilos de jurisprudências, e terão o apoio de destacados juristas, alertados para o enorme risco de Bolsonaro querer se transformar em juiz dos juízes.
E o bolsonarismo vai exigir Silveira disputando as eleições e somando milhares de votos para a extrema direita do Rio de Janeiro.
Para Bolsonaro, o resultado do debate não é o mais importante, e sim o impasse que sua decisão de afrontar o STF provocou, insuflando as providências para um golpe de Estado.
Desse objetivo ele nunca se afastou, muitas vezes usando os entreveros com o Supremo como pretexto.
O confronto com o STF remonta ao início do desgoverno, quando Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho de Sua Excelência, disse ser suficiente apenas um jipe, com um cabo e um soldado, para fechar as portas do Supremo.
Tempos depois militantes bolsonaristas explodiram rojões sobre a sede do STF, situada a poucos metros do Palácio do Planalto, onde fica o gabinete presidencial.
Logo em seguida Sua Excelência consultou a Força Aérea sobre a possibilidade de jatos supersônicos de caça romperem a barreira do som quando estivessem sobrevoando o prédio-sede do Supremo, o que explodiria as vidraças de suas janelas.
Em dois discursos, em Brasília e em São Paulo, nas comemorações do Sete de Setembro, em 2019, Bolsonaro conclamou os brasileiros a desobedecer às decisões do STF e chamou Alexandre de Morais, ministro da Corte, de “canalha”.
Antes, com o evidente propósito de tumultuar o processo eleitoral, colocara em dúvida a segurança das urnas eletrônicas – usadas sem problemas desde 1996 – e passara a exigir o voto impresso, sugestão derrubada pela Câmara dos Deputados.
Contudo, todas essas iniciativas, de fundo golpista, continuam a ser defendidas pelas redes sociais bolsonaristas e fermentam o caldo antidemocrático onde se nutre gente como Daniel Silveira.
O que fazer?
Ao contrário do que se supõe, a limitação cognitiva de Jair Bolsonaro não é absoluta.
Ele age com frieza, método e estratégia.
Quando necessário, lança todas suas forças autoritárias para desmoralizar o oponente, como tenta fazer agora com o Supremo Tribunal Federal.
Seu maior temor é ser derrotado nas urnas de outubro, podendo então ser processado e preso, junto com os quadrilheiros de seu clã.
Tudo isso pode, ou não, acontecer.
Vai depender da consciência, da indignação e do voto de cada um.