Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Ser negacionista é escolher, voluntariamente, não acreditar em uma informação vista como consensual por outras pessoas.

No Brasil, Jair Bolsonaro é o negacionista mais famoso, aquele que considerou a pandemia “uma gripezinha”.

Sua Excelência se mantém no mundo da lua.

Em solenidade no Palácio do Planalto declarou que em seu desgoverno “o vírus da corrupção está praticamente vencido.

Se aparecer alguma coisa, vamos atrás”, garantiu. “Tenho a consciência tranquila, com Deus ao meu lado”.

A pouco metros do mundo da lua, o mundo real implodiu o negacionismo, com duas decisões do Tribunal de Contas da União: na primeira, a abertura de uma inspeção para apurar denúncias de corrupção na liberação de recursos do Ministério da Educação para aliados de Bolsonaro; na segunda, analisar tentativa de fraude de R$ 732 milhões na aquisição de ônibus escolares com verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Dois pastores operavam a liberação de recursos para os prefeitos, em troca de propinas que incluíam barras de ouro, com conhecimento do ex-ministro Milton Ribeiro, exonerado e agora investigado pela Polícia Federal.

No caso dos ônibus escolares, o FNDE pretendia pagar R$ 480 mil por cada veículo, quando o preço indicado pela área técnica do fundo era de R$ 270,6 mil, no máximo.

Com o escândalo, a licitação foi suspensa.

Nessas circunstâncias, não é conveniente para Bolsonaro ter a consciência tranquila e, muito menos, alegar ter “Deus ao meu lado”.

Ademais porque o ocorrido no Ministério da Educação apenas replica, quase em igual proporção, a teia de corrupção que antes se instalou no Ministério da Saúde, em plena tragédia do Covid-19.

A teia – que envolveu quadrilhas dentro e fora do ministério, até com articulações internacionais – levou à formação de uma CPI no Senado.

Seu relatório final indiciou duas empresas e 66 pessoas – entre elas Jair Bolsonaro, com seis indiciamentos.

Espichando-se a memória do desgoverno chega-se ao pioneiro, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, exonerado ao se envolver com contrabandistas de madeira da Amazônia.

Ele, autor de inesquecível máxima política: “Vamos agora passar a boiada”.

Referia-se a uma ação emergencial no Congresso para aprovar, a rodo, projetos (a boiada) de flexibilização das leis ambientais.

Havendo mais interesse na lamacenta matéria, podem ser alcançadas as investigações, no Rio de Janeiro e em Brasília, sobre o esquema de “rachadinhas”, no qual – segundo as investigações policiais – mostram-se habilidosos o então vereador Carlos Bolsonaro; o então deputado estadual Flávio Bolsonaro (dois filhos de Sua Excelência) e o pai, o então deputado federal Jair Bolsonaro.

Consiste o esquema da apropriação ilegal, pelos parlamentares, de parte dos salários dos funcionários de seus gabinetes, para custear despesas desconhecidas. “Rachadinhas”, contrabando de madeira ilegal, quadrilhas de importação de vacinas, fraude em licitações de ônibus escolares – tudo comprova um forte viés de corrupção no desgoverno, que apenas não é evidente por Sua Excelência, flutuando no mundo da lua, com seu negacionismo.

No entanto, um preço pela alienação voluntária haverá de ser cobrado e pode ser pago no dia 2 de outubro, dia da eleição.

O “combate sem trégua à corrupção” foi um dos compromissos de Bolsonaro na campanha de 2018, descumprido como vários outros no desgoverno.

Sua Excelência, contudo, passou dos limites no estelionato eleitoral.

Não combateu a corrupção miúda que diz ter herdado, e deixou vicejar escândalos de repercussão internacional, como os que explodiram no Ministério da Saúde e no Ministério da Educação.

O flanco está exposto e Jair Bolsonaro não sabe como cicatrizá-lo.

Acusado de conivência com as fraudes, Sua Excelência recorre ao negacionismo e pisa no munda da lua.

Uma hora terá de pisar no mundo real e se surpreender com o resultado trágico de seu desgoverno.