Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Dormitava Jair Bolsonaro em berço esplêndido, sob a guarda de Augusto Aras, Procurador-Geral da República, quando foi abruptamente despertado de seus sonhos por um terrível pesadelo: uma gigantesca página do Diário Oficial da União se dobrava sobre ele, quase sufocando-o, informando que a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, negara o arquivamento do Caso Covaxin.
O arquivamento fora requerido por Aras, fiel protetor de Bolsonaro, como tentativa de sepultar nos porões da memória um dos episódios do escândalo das vacinas, no Ministério da Saúde, envolvendo diretamente Sua Excelência.
Aos fatos.
Em 23 de março de 2021 o presidente recebeu no Palácio da Alvorada, sua residência oficial em Brasília, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda e seu irmão, o deputado federal Luis Cláudio Miranda, da base bolsonarista.
Foram diretos: o governo preparava-se para comprar 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin, anti-Covid-19, com um superfaturamento de 1.000% (mil por cento).
No golpe estaria envolvido Ricardo Barros, líder do governo na Câmara dos Deputados.
Bolsonaro ouviu, disse que tomaria providências e nada fez.
Os dois irmãos repetiram a mesma acusação na CPI da Pandemia, no Senado.
A investigação da Polícia Federal foi aberta após notícia-crime oferecida por senadores da Comissão de Inquérito, denunciando Sua Excelência por prevaricação.
No caso, por não cumprir o seu dever de ofício de reportar, e tomar providências, quanto alertado da corrupção pelos irmãos Miranda.
Prevaricação é motivo de abertura de processo de impeachment.
O ressurgimento do fantasma Covaxin é um desastre para Bolsonaro, enrolado em crises a menos de sete meses da eleição presidencial.
Além de reacender o tema da ação de quadrilhas no Ministério da Saúde, acende na campanha a tragédia da pandemia no Brasil, com seu rastro mórbido de 30 milhões de infectados e quase 700 mil mortos.
Será impossível Sua Excelência se livrar da acusação de genocídio – na avaliação desesperada de parentes e amigos de tantos sequelados e mortos.
Ao recusar o arquivamento dos autos, a ministra Rosa Weber os devolveu ao Procurador-Geral Augusto Aras, solicitando novas investigações.
Aras informou que vai recorrer ao plenário do Supremo Tribunal Federal, tentando derrubar o despacho da ministra.
Não há prazo para o pronunciamento do plenário.
O Caso Covaxin, portanto, continuará vivo, em plena campanha eleitoral, o que municiará os adversários de Bolsonaro.
O desprezo com a Covid-19 é um flanco escancarado do desgorverno, desde os primeiros casos, em fevereiro de 2020.
Bolsonaro tratou o vírus como “uma gripezinha”, logo no início; quando os mortos chegaram em 10 mil e foi questionado, rebateu dizendo que “não era coveiro”; em seguida, chamou de “maricas” os que temiam a doença; reagiu às medidas de isolamento social e boicotou o uso de máscaras.
Não se vacinou nem deixou que sua filha se vacinasse; demitiu três ministros da Saúde e foi complacente com a transformação do ministério em balcão de negócios; nunca visitou uma enfermaria para ao menos se solidarizar com os doentes e suas famílias.
Mentiu ao dizer que as doses fariam que o vacinado “virasse um jacaré” e “pegasse aids”; receitou remédios ineficazes contra a doença e nunca teve a preocupação de organizar um plano nacional contra a pandemia.
Não é pouco.
No entanto, nada parece amedrontá-lo tanto quanto o retorno do Caso Covaxim, com sua pesada carga de corrupção.
O episódio foi debulhado na CPI da Pandemia, cujo relatório final indicia duas empresas e 66 pessoas – entre elas Sua Excelência, indiciado por nove crimes, o recordista.
A decisão da ministra Rosa Weber, de requerer novas investigações sobre a suspeita de prevaricação de Bolsonaro no golpe das vacinas indianas, provocará pesadelos em berço esplêndido.
Já estava difícil para Bolsonaro com o caos que se instalou em seu desgoverno.
Agora o sono não chega nem contando cavalinhos de coturnos a pular a cerca, como em sonhos serenos nos tempos da caserna.