Por Ricardo Leitão, em recado enviado ao blog Aluado pelo delírio de mediar a paz na guerra na Ucrânia, Jair Bolsonaro se complicou com os absorventes femininos.

Em outubro passado ele vetou projeto aprovado pelo Congresso que previa o fornecimento gratuito de 5,6 milhões de absorventes a adolescentes e mulheres pobres e encarceradas, ao custo anual de R$ 84,5 milhões.

Alegou falta de recursos orçamentários.

A reação de deputadas, senadoras e organizações de defesa da saúde da mulher foi forte e imediata.

Sua Excelência e seu desgoverno foram lembrados que, por falta de dinheiro para comprar absorventes, mulheres pobres usam pedaços de pano e até mesmo miolo de pão.

Articulou-se a derrubada do veto presidencial para o dia 10 de março.

Tentando escapar da derrota do veto, Bolsonaro se antecipou: assinou decreto em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, criando o Programa de Promoção da Saúde Menstrual, com recursos de R$ 130 milhões e o objetivo de atender cerca de 3 milhões de pessoas.

A reação no Congresso se manteve, assim como a decisão de derrubar o veto de Sua Excelência na sessão de 10 de março – o que ocorreu.

Na Câmara dos Deputados, 426 parlamentares (em 483 que participaram da sessão) votaram contra Bolsonaro; no Senado, 64 senadores (em 65) seguiram o mesmo caminho.

Voltou a valer o projeto vetado em outubro de 2021.

Derrota plena de Sua Excelência.

Misógino militante, Bolsonaro sempre teve dificuldades em lidar com questões femininas.

Para disfarçar suas atitudes convidou para o ministério algumas mulheres, entre elas Damares Alves, uma pregadora evangélica reacionária, que logo se notabilizou: afirmava ter visto Jesus Cristo sentado no galho de uma goiabeira.

Continua no cargo de ministra da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos.

Depois, na condição de macho-alfa sexagenário, Sua Excelência lamentou o nascimento de uma filha, após quatro filhos homens, conhecidos como 01, 02, 03 e 04.

Não satisfeito, em solenidade matinal no Palácio do Planalto, ao lado da primeira-dama Michelle e diante de dezenas de convidados, lembrou que a mulher não tinha do que reclamar, pois, horas antes, “fora bem tratada”.

A incrível canalhice sexista provocou um silêncio constrangido, mas não surpreendeu.

Era o Bolsonaro de sempre, aquele que disse ser uma deputada federal tão feia que não merecia sequer ser estuprada; que ofendeu a primeira-dama da França; que defendeu o turismo sexual no Brasil, desde que não fosse praticado por homossexuais, e que propôs salários menores para as mulheres.

O vexame do veto aos absorventes gratuitos só vai piorar sua rejeição junto ao eleitorado feminino.

Quantas tiveram sua saúde em risco por não receberem absorventes gratuitos do desgoverno federal desde outubro do ano passado?

Com certeza milhões, porque são milhões as mulheres pobres do Brasil.

Quantas morreram infectadas por doenças preveníveis com o uso de absorventes?

Não se sabe.

Porém com certeza muitas teriam sobrevivido se não fosse a reação de Bolsonaro ao que ele, ironicamente, denominou de “Auxílio Modess”. É inesgotável a capacidade do bolsonarismo de dar tiros no pé.

No mesmo momento em que era derrotado no Congresso no veto à doação dos absorventes, articulava a votação, na Câmara dos Deputados, em regime de urgência, de projeto de lei que libera a exploração de minérios em terras indígenas demarcadas.

A urgência significa que um projeto pode ir à votação direta no plenário, sem passar pelo debate nas comissões temáticas.

A urgência, nesse caso, estaria justificada pela necessidade de o Brasil recompor suas reservas de potássio – mineral necessário para o agronegócio – cujas importações da Rússia estão comprometidas pela guerra na Ucrânia.

O argumento bolsonarista não se sustenta.

Em primeiro lugar porque as minas de potássio na região amazônica estão fora dos territórios indígenas demarcados.

Segundo, como mostram os levantamentos da Agência Nacional de Mineração, grande parte dessas reservas está na região Sudeste.

Por fim, as reservas conhecidas de potássio no país, mesmo sem explorar minas na Amazônia, garantem a autonomia do minério até 2089.

Então, por que a urgência da votação do projeto, defendido por Bolsonaro?

Trata-se de um pretexto – mais um – de abrir as terras demarcadas dos índios ao garimpo, inicialmente, e em seguida à exploração predatória da madeira.

A aprovação do projeto será recebida com protestos de ambientalistas em todo o mundo.

E envergonhará tanto o Brasil quanto o veto de Sua Excelência à doação de absorventes a mulheres pobres.