Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Mesmo ao longo dos 21 anos da ditadura militar, servil a variados interesses, o profissionalismo e a eficiência da diplomacia brasileira não deixaram de ser reconhecidos nos fóruns internacionais.

Iniciativas como o estreitamento das relações com os países africanos lusófonos ainda hoje são apontadas como exemplo de ações referenciais do Itamaraty.

O reconhecimento se manteve durante os governos democráticos que sucederam a ditadura, até o espoucar da diplomacia submissa do desgoverno de Jair Bolsonaro.

Desse novo padrão nas relações exteriores, a errância do Brasil na invasão da Ucrânia pela Rússia é o episódio de agora.

No entanto, com certeza, não será o último de uma série inaugurada há mais de dois anos.

O primeiro se deu quando Bolsonaro se curvou despudoradamente a Donald Trump, recém-eleito presidente dos Estados Unidos.

Sua Excelência passou a se dizer “amigo” do norte-americano; assinou com ele acordos comerciais prejudiciais ao Brasil e tentou fazer de seu filho, Eduardo Bolsonaro, embaixador em Washington.

Perguntado sobre eventuais dificuldades com o idioma, Eduardo retrucou: “Não haverá problema.

Aprendi a falar inglês quando fritava hambúrguer nos EUA”.

A aposta no hamburgueiro não progrediu, porém Bolsonaro se manteve fiel a Trump: apoiou sua candidatura à reeleição; divulgou a mentira da existência de fraudes no pleito e demorou mais de dois meses para reconhecer a vitória de Joe Biden.

Um desastre diplomático.

O desempenho de Sua Excelência na invasão da Ucrânia é o segundo desastre, mais uma vez enquadrado na diplomacia submissa.

Começa na visita de Bolsonaro ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, quando tropas russas se preparavam para invadir a Ucrânia.

Em entrevista após o encontro em Moscou, Sua Excelência manifestou solidariedade à Rússia.

Ou seja: exatamente o contrário do que já faziam ou fariam logo depois os Estados Unidos, o Canadá e países da Europa.

A trapalhada bolsonarista paralisou a embaixada do Brasil em Kiev, capital da Ucrânia; embaralhou as orientações dos embaixadores brasileiros nas Nações Unidas; foi criticada formalmente por representantes do governo de Joe Biden e deixou uma vergonhosa interrogação no ar: finalmente, Bolsonaro condena ou não a invasão da Ucrânia pela Rússia?

Como já tinha ocorrido anteriormente, talvez nem mesmo ele saiba, resultado de sua ignorância tentacular e do tumulto em que se transformou a diplomacia brasileira sob sua gestão.

Nesse tumulto sem precedentes, destaque especial para o chanceler Ernesto Araújo, ideólogo da extrema direita bolsonarista, exonerado depois de propor o rompimento das relações diplomáticas com a China.

Os erros de Bolsonaro ao insistir em liderar o Itamaraty e se deixar submeter aos interesses de países mais ricos podem aprofundar o seu isolamento e o isolamento do Brasil no mundo, com reflexos locais.

Sem alarde, as Forças Armadas lhe informaram o incômodo dos comandantes com o atrelamento excessivo da política externa do Brasil à dos Estados Unidos – isso durante a administração de Donald Trump.

Agora, na questão da Ucrânia, as queixas vêm de empresários que têm negócios com a Rússia e dos que têm negócios com a Europa.

Se o Brasil não definir uma posição clara, qual o caminho que tomarão seus investimentos?

Diplomatas experientes em situações de grandes crises, como a da Ucrânia, consideram remota a possibilidade de uma solução negociada em curto prazo.

A Rússia começará a sofrer as profundas sanções econômicas e financeiras que lhe impuseram os Estados Unidos e países europeus; Putin rebate com a ameaça de um ataque nuclear; o Exército e a população da Ucrânia resistem, estimulando mobilizações de apoio em todo o mundo.

Não é um momento nem uma conjuntura para amadores e sim para calejados e respeitados negociadores.

Como em outros episódios, o problema é o mesmo de sempre: tirar Jair Bolsonaro do caminho.

Do contrário, ele será capaz de viajar a Moscou para convencer Putin a retirar as tropas russas da Ucrânia em troca de um desfile de escolas de samba na Praça Vermelha.

Presidente Jair Bolsonaro se encontrou com presidente da Rússia, Vladmir Putin - MIKHAIL KLIMENTYEV/SPUTNIK/AFP