Quando a segurança pública vira plataforma eleitoral Por Cecília Olliveira, Diretora Executiva do Fogo Cruzado, em artigo enviado ao blog As notícias começaram a aparecer nas redes sociais ainda na tarde do dia 18 de janeiro: viaturas cercavam as entradas do Jacarezinho, Zona Norte do Rio.

Na gíria dos moradores, a favela estava “tampada de polícia”.

Mais de 1.000 agentes de segurança estiveram no Jacarezinho na manhã do dia 19, filmados pelas câmeras aéreas das emissoras de televisão.

Ao vivo e com pompa, aquele era o início do Cidade Integrada, uma iniciativa do governador Cláudio Castro (PL) que foi posto em prática antes de ser apresentado ou explicado: nem imprensa, nem moradores e nem mesmo o prefeito da cidade, Eduardo Paes, sabiam ao certo o que estava acontecendo - e o que poderia vir a acontecer.

Na apresentação do Cidade Integrada, três dias depois, quase nada se falou sobre segurança pública.

Castro prometeu uma série de reformas de infraestrutura que sequer são da sua alçada, mas de atribuição municipal.

Muitas obras, poucas soluções - em um ano de eleição.

Assim como era tradicional na época da implantação das UPPs, não houve tiroteio no dia da ocupação.

Outras coisas também lembraram o último programa de segurança implantado no Rio - e que naugrafou faz anos.

Relatos de abusos policiais se acumularam ao longo das semanas seguintes: um casal disse que PMs entraram na casa e levaram o dinheiro que estava guardado para pagar o aluguel; um jovem negro foi preso quando saiu para comprar pão e foi liberado depois do que um delegado chamou de “erro”; outros moradores afirmam que equipes policiais arrombaram portões e quebraram caixas d’água em busca de armas e drogas.

Nada foi encontrado nessas ações.

Para a surpresa de poucos, a apreensão mais emblemática do mês no Rio de Janeiro foi bem longe das favelas: 26 fuzis, 21 pistolas, espingardas, rifles e mosquetões estavam escondidos numa casa localizada no bairro do Grajaú, Zona Norte do Rio.

Não há notícias de portas arrombadas por ali.

O arsenal, avaliado em R$ 1,8 milhão, pertence a Vitor Furtado Rebollal Lopes, acusado de repassar as armas ao Comando Vermelho.

Ele está registrado no Exército como um CAC (Colecionador, Atirador e Caçador).

De acordo com as investigações, ele comprava as armas legalmente e revendia para a facção.

Ele foi preso em Goiás, transportando milhares de munições.

Já em Pernambuco, a Força Tarefa de Homicídio Sul, da Polícia Civil, ainda tenta entender quem eram e quais armas usavam os atiradores que dispararam contra um bar em Moreno, no Grande Recife, no dia 6 de fevereiro.

Pelo menos 10 homens armados chegaram em motocicletas e abriram fogo durante uma festa que acontecia no estabelecimento.

Terminou em chacina: três pessoas foram mortas e 12 ficaram feridas - a maior desde que o Fogo Cruzado começou a monitorar a região, em 2018.

O que as duas situações têm em comum?

Investigar crimes como estes pode ficar cada vez mais difícil.

O Senado Federal deve discutir nos próximos dias o PL 3.723/2019, conhecido como PL da Bala Solta.

Se aprovado, o projeto de lei pode eliminar a exigência de marcação de munições.

Atualmente, a identificação do lote da munição é o que garante a possibilidade de rastreamento, e sem ela fica mais difícil, por exemplo, saber de onde a munição foi desviada e na mão de quem foi parar.

A elucidação de homicídios - que hoje beira os ridículos 40% - pode ficar ainda pior.

Sociedade civil, investigadores de polícia e órgãos de controle, como o Ministério Público, podem ficar às cegas com a facilitação do acesso às armas e impossibilidade de rastreio.

Não saberemos se pistolas, fuzis e munições compradas legalmente estão parando em mãos erradas, como no caso de Vitor Rebollal, o dono daqueles fuzis apreendidos no Rio.

Reforçar mecanismos de controle e fiscalização é fundamental.

Do contrário, operações semanais nas favelas e iniciativas como Cidade Integrada seguirão enxugando gelo, servindo mais para políticos fazerem belas fotos que ganharão capas de jornais do que para a população.