Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Vinte e um dias depois da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendar a vacinação imediata de crianças de 5 a 11 anos, o Ministério da Saúde do desgoverno de Jair Bolsonaro anunciou que iniciará a imunização.
Vai importar as doses, elaborar a logística da distribuição e encaminhar o medicamento aos estados.
A previsão é que a vacinação comece no início de março – um atraso de vários meses em relação à imunização de crianças nos Estados Unidos e na Europa. É, ao que parece, o capítulo final de um esforço arraigado, inacreditável e irresponsável de protelar a chegada das doses nos braços dos brasileiros.
Em fevereiro de 2020, quando confirmado o primeiro caso de covid-19 no Brasil, Bolsonaro tratou-o como “uma gripezinha”.
Adiou ao máximo a compra de vacinas; trocou quatro vezes o ministro da Saúde; foi conivente com a transformação do ministério em um balcão de negociatas; não se vacinou; não usou máscara; promoveu aglomerações e avisou que não iria permitir que sua filha fosse vacinada.
E mais: afirmou, mentirosamente, que as doses do imunizante fariam o vacinado “virar um jacaré” e “pegar Aids” e que até os bebês deveriam ser medicados com cloroquina, um remédio comprovadamente ineficaz contra o vírus.
Foi coadjuvado pelo ministro da Saúde Marcelo Queiroga que, apressado em ampliar a Operação Protela, anunciou que a vacinação de crianças apenas seria permitida após consulta pública, prescrição médica e termo de consentimento dos pais.
Queiroga foi enfático: “Precisamos ter segurança.
Os óbitos de crianças estão absolutamente dentro de um patamar que não implica decisões emergenciais”.
Nenhum imunologista, infectologista ou pediatra que tenha estudado a evolução da pandemia no Brasil respeitará as afirmações do ministro.
Desde a confirmação do primeiro caso, em fevereiro de 2020, até o final de dezembro, foram constatadas 2.575 mortes e 34.023 hospitalizações causadas pela covid-19 em crianças e adolescentes de 0 a 19 anos.
As crianças de até 11 anos representaram dois terços desses óbitos e internações.
No período citado, as taxas de mortalidade no Brasil são cerca de 5 a 10 vezes maiores que as registradas na Europa e nos Estados Unidos, para crianças de 5 a 11 anos.
Como o ministro Queiroga afirma que não há necessidade de “decisões emergenciais”?
A vacina é segura e protege as crianças, como comprovam a Anvisa e, na semana passada, dados divulgados por pesquisadores dos Estados Unidos.
Lá foram analisados possíveis eventos adversos em 7 milhões de crianças de 5 a 11 anos, vacinadas, e relatados apenas casos de febre, dor de cabeça, vômitos e inapetência.
Comprovações similares de segurança foram obtidas por pesquisadores na Europa.
Por que o desgoverno Bolsonaro protelou tanto a decisão de vacinar as crianças brasileiras?
Incompetência e negacionismo – ou vice-versa – podem explicar o risco de mortes e de sequelas que cerca meninas e meninos.
Ao negacionismo e à incompetência se junta a ojeriza do desgoverno à ciência.
Seria o caso até de perguntar: com tamanho anticientificismo, não é uma contradição de Bolsonaro tratar sua oclusão intestinal em um moderníssimo hospital, plugado em aparelhos de última geração?
Não seria mais coerente uma lavagem de corpo com Mãe Zulmira, na Baixada Fluminense?
Como se trata de uma questão médica, Sua Excelência poderá consultar o ministro Queiroga.
Este, como sempre, concordará com tudo que o presidente disser e, se tiver opinião contrária, de imediato mudará de opinião.
A firmeza de princípios, como se sabe, é uma das mais reconhecidas qualidades dos auxiliares do presidente.
O receituário de Mãe Zulmira, portanto, é uma questão menor.
A maior, muito maior, consome Queiroga: como vacinar milhões de crianças até o retorno pleno das aulas presenciais, quando avança no Brasil a variante ômicron, extremamente contagiosa?
O desgoverno tem a obrigação de apontar respostas.
Os pais das crianças talvez prefiram responder nas urnas eletrônicas de outubro.