Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog O que pensar de um sujeito que, informado por cientistas e médicos sobre o risco da pandemia matar mais crianças, decide que sua filha de 11 anos não será vacinada?
Trata-se, no mínimo, de um estúpido.
A desgraça é que, no caso, o sujeito é o presidente da República, à frente de um país que já registrou 620 mil mortos e 22 milhões de infectados pela covid-19 – sem perspectiva de que a doença seja erradicada em 2022.
O ano que se inicia foi recebido com fogos, abraços e beijos, mas a partir de agora a vida continua.
Jair Bolsonaro permanecerá no Palácio do Planalto, na condição insuperável de pior presidente da história do Brasil, e dele não há a menor possibilidade de surgirem boas notícias.
O desgoverno sempre prevalecerá.
Um Ano Novo é impossível.
Ninguém que saiba usar uma máquina calculadora e entender a evolução da conjuntura nacional afirmará que as crises econômica, fiscal, política, sanitária e social terão soluções nos próximos 12 meses.
Do contrário, tudo tende a se agudizar, com a contribuição sempre expressiva de Bolsonaro.
As previsões são desastrosas: inflação; crescimento medíocre; queda no valor dos salários; desemprego, miséria e fome; influência de milicianos na administração e subordinação do desgoverno a uma base parlamentar marcada por episódios de corrupção.
Desse labirinto, que ajudou a construir, Bolsonaro não escaparia.
Terá que palmear seus corredores durante a campanha presidencial, buscando sobreviver e chegar ao segundo turno.
Um de seus maiores problemas são os tiros que cotidianamente desfere nos pés – o último, a decisão de não vacinar a filha de 11 anos.
Carregando bolas de ferro enquanto se arrasta pelo seu labirinto, Sua Excelência terá condições de chegar competitivo às urnas do próximo mês de outubro?
A resposta vale um coturno novo, de pelica e solado amortecido com penas de pavão.
O mimo, no momento, não tem resposta nem dono, enquanto o desgoverno se esfalfa para manter o presidente na disputa.
Vale o que vier: Auxílio Brasil, dedução de impostos para taxistas, preços menores do diesel para caminhoneiros, aumentos salariais exclusivos para policiais, reformas estruturais que nunca se concluem…
Muitas dessas iniciativas são justas e necessárias, como o Auxílio Brasil, programa de distribuição de renda que substituiu o Bolsa Família, lançado pelo PT.
No entanto, não representam uma política econômica e, em sua maioria, contemplam apenas bases eleitorais do bolsonarismo, como os policiais e os caminhoneiros.
São manobras descaradamente voltadas para as eleições presidenciais.
Há precedentes que funcionaram.
Em meados de 2021, quando os números da pandemia saltaram para o alto e a popularidade de Bolsonaro para baixo, o lançamento do Auxílio Emergencial salvou Sua Excelência de um mergulho no poço.
Com o Auxílio Brasil, que atenderá 17 milhões de famílias, o bolsonarismo espera repetir a façanha.
Contudo, para Bolsonaro, é um desafio cada vez maior vencer as eleições presidenciais.
Ele deixou de ser a única opção da direita à aliança da esquerda liderada pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Isso irá se refletir nos apoios pessoais e institucionais e, principalmente, no fluxo de recursos para sua campanha.
Ao seu lado já se emparelham o ex-ministro Sergio Moro e o governador de São Paulo, João Doria, representantes da chamada direita civilizada no caótico quadro partidário brasileiro.
Se lhe faltar oxigênio, até onde irá Jair Bolsonaro?
Até onde assegurar imunidade política diante dos crimes de que é acusado.
No seu caso, são nove, apenas entre os documentados pela CPI da Pandemia, no Senado.
Teria, por exemplo, de ser eleito governador, senador, deputado federal ou estadual, podendo disputar pelo Rio de Janeiro, a maior base eleitoral do bolsonarismo.
Se ainda assim ficasse inviável o teste nas urnas, restaria a Sua Excelência um golpe de Estado.
Ele tentou articulá-lo no Sete de Setembro passado, quando, em discursos para seguidores em Brasília e em São Paulo, estimulou a desobediência a decisões do Supremo Tribunal Federal.
Antes, já colocara em dúvida a capacidade técnica das urnas eletrônicas em impedir fraudes nas eleições – o que, em consequência, lhe daria o direito de não reconhecer os resultados.
Quais são as condições de Bolsonaro liderar um golpe de Estado?
Da parte dele, não existem pruridos: a democracia é apenas um instrumento de fracos, um coturno furado.
O importante é conquistar e manter o poder, por qualquer meio.
A questão é como chegar lá.
Com o desgoverno derretendo, Jair Bolsonaro não tem apoio nas ruas, no empresariado, na mídia, nos partidos políticos e nas Forças Armadas, para montar um golpe – o contrário do que aconteceu com os golpistas de 1964.
As pesquisas mostram que os eleitores desaprovam largamente a sua gestão e querem apenas que ele saia, sem choro nem vela.
Como se tudo que aconteceu no Brasil de 2019 para cá fosse um terrível pesadelo, do qual felizmente se acorda para continuar tocando a vida.
Por fim, pode lhe restar um processo de impeachment, justificado pelos achados na CPI da Pandemia, uma hipótese remota que voltou a emergir.
Portanto, olhos atentíssimos em Sua Excelência.
Um sujeito que proíbe sua filha de 11 anos de se vacinar contra a covid-19 e tira férias para pescar, dançar funk e se exibir em um jet ski, enquanto milhares de brasileiros perdem todos seus bens e suas vidas com as inundações, é capaz de tudo.