Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Admirável a disposição de Jair Bolsonaro de sempre nomear, para a direção do Ministério da Saúde, profissionais de múltiplos talentos.
Foi assim com o general Eduardo Pazuello que, mesmo sem conhecer a dimensão nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), era especialista em logística.
Até hoje não se sabe de que isso valeu no combate à pandemia.
Ficou apenas o registro do episódio de cargas de vacinas despachadas para o Amapá que terminaram desembarcando no Amazonas.
E a transformação do Ministério da Saúde em um balcão de negócios de quadrilhas internacionais.
Pazuello foi substituído por Marcelo Queiroga, cujos talentos até então eram renomados apenas no campo da cardiologia.
Queiroga acelerou a vacinação, boicotada publicamente por Bolsonaro, até sucumbir às pressões do bolsonarismo.
Questionado na semana passada sobre a intrigante decisão do governo de não exigir certificado de vacinação dos que desembarcavam no Brasil, retrucou como um Aristóteles tropical: “A liberdade é mais importante que a vida”.
Inevitável que de tão profundo enunciado resultassem dúvidas.
Três delas: como asseguram que uma pessoa contaminada pelo vírus não desembarcará no Brasil, colocando em risco a vida de dezenas, talvez centenas de outras?
O tempo de cinco dias de quarentena é suficiente para confirmar se uma pessoa está contaminada?
Os municípios têm condições de fiscalizar o cumprimento dessa quarentena expressa?
Nesse momento, com o recrudescimento da pandemia na Europa, centenas de países estão ampliando as restrições de desembarque de estrangeiro.
Cidades maiores voltaram a adotar lockdowns, parciais e totais.
No Brasil as festas de fim de ano em grandes salões estão liberadas e a realização do Carnaval é um debate aberto.
Depois da farra, a pandemia vai aumentar ou diminuir?
Pouco valerão as elucubrações filosóficas do ministro Queiroga.
Serão necessárias muito mais providências e atenção para os sinais de alerta.
No início da semana, a Universidade John Hopkins, dos Estados Unidos, que acompanha a evolução global da pandemia, constatou que os índices de contaminação no Brasil cresceram, apesar dos índices positivos de vacinação.
Estaria ocorrendo em relaxamento da população, em consequência da equivocada sensação, de que a pandemia já acabou.
Em grande parte isso decorre do boicote sistemático de Bolsonaro no enfrentamento do vírus, desde março de 2020, quando o primeiro caso de Covid 19 foi confirmado no Brasil. “É uma gripezinha”; “É um resfriadozinho”; “Quem tomar essa vacina vai virar jacaré”; “Essa vacina facilita a contaminação por Aids”; “Vacinar é coisa de maricas” – e outras declarações inteligentíssimas.
O presidente se recusou a tomar vacina, promoveu e participou de aglomerações, boicotou e atrasou a compra de imunizantes, politizou a questão, prevaricou ao ser informado da roubalheira em curso no Ministério da Saúde e nada fez.
Enquanto isso, o vírus tirava a vida de centenas de milhares de brasileiros e sequelava outros milhões.
Por suas ações e omissões, Bolsonaro foi alvo de um pedido de impeachment, protocolado na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira, dia 8.
Encabeçado pelo jurista Miguel Reale Júnior, a petição acusa Sua Excelência de “dar causa à proliferação dos males que levaram milhares de brasileiros à morte e a perigo de morte, em vista de terem contraído o vírus Covid 19”.
Foi o 142º pedido de deposição de Bolsonaro, um recorde na história da República.
O documento afirma ainda que é de Bolsonaro a “responsabilidade pela imensa dimensão que tomou a pandemia, que não teria sido dessa grandeza não fossem a arquitetura política e o comportamento adotados pelo presidente da República”.
Segundo os signatários da petição, integram essa “arquitetura política” episódios como adoção de uma imunidade de rebanho, contrariando recomendações científicas; estímulo ao uso de medicações sem eficácia comprovada; o caos gerado em Manaus e a desassistência aos povos indígenas.
Valendo-se do relatório final da CPI da Covid, a petição conclui que Bolsonaro desrespeitou o direito à vida e à saúde de um número indeterminado de pessoas – o que configura crime de responsabilidade e falta com o decoro no exercício do cargo, condutas passíveis de deposição por impeachment.
Mas não haverá impeachment.
Não só porque a base parlamentar bolsonarista na Câmara dos Deputados impedirá, como também porque um processo político pode vitimizar Bolsonaro, no meio da campanha eleitoral de 2022.
O objetivo da oposição – cada vez mais ampla - é derrotá-lo nas urnas, o que representaria a sua queda do poder com o apoio popular. É o caminho dos democratas.
E para se contrapor a essa força de nada adiantam vãs filosofias.