Por Paulo André Leitão, em artigo enviado ao blog Geraldo Pinho completaria 71 anos hoje, 5 de dezembro, e eu me atrevo a dizer qual o presente que ele gostaria de receber. É uma tarefa inconclusa, último assunto de que tratamos - pelo zap, porque Geraldo passou a viver trancado em casa desde o início da pandemia.
A nossa amizade nasceu há quase 50 anos pelas mãos de Fredi Maia, amigo meu desde o Colégio de Aplicação da UFPE.
Com pouco tempo de convivência, já passava fins de semana com ele e sua companheira, Ana Paiva, em Maria Farinha, abraço de rio e mar.
A casa de taipa e palha era tão pequena que minha namorada e eu levávamos no ônibus uma barraca de camping para nos abrigar.
Tudo o mais era dividido, inclusive a companhia do filho Leonardo, hoje com 44 anos.
Enorme, o coração de Geraldo.
A generosidade com que me acolheu lá na praia, tão longe, se estendeu por toda a vida.
O Cinema do Parque - a mais característica marca de sua trajetória no cinema - era seu endereço no Recife.
Conhecia tudo do Teatro do Parque, tudo, e não se cansava de mostrar a quem queria ver.
Cinema e Teatro eram moradores univitelinos da rua do Hospício. “Geraldo, preciso de um esconderijo para assistir aos filmes”, disse-lhe um dia. “A minha namorada é muito reservada, saiu de um casamento e por enquanto não quer aparecer comigo de jeito nenhum.” O cabra me levou direto para uma das frisas e apontou: “É aqui”.
Por muito tempo achei que não existia lugar melhor no mundo.
A fotografia e a política forjaram nossa amizade.
Para o Super 8 nos unir ainda mais, foi um passo.
A toda hora inventávamos roteiros e, sempre que havia dinheiro, tentávamos transformá-los em filmes.
Até que um dia Fredi, ele e eu miramos nossos rebeldes canhões no filme Batalha dos Guararapes, de Paulo Thiago, e partimos para o ataque.
Criamos Batalha dos Guararapes - Parte II, mostrando onde se travava naqueles dias a luta que nos interessava, a luta pela sobrevivência: a avenida Guararapes, centro do Recife, território do comércio informal.
Realizá-lo foi batalha.
Inscrevemos a cria no II Festival de Cinema Super 8 (Recife, novembro de 1978), ficamos em segundo lugar na escolha do júri e ainda ganhamos o Prêmio Júri Popular.
O Super 8 pernambucano vivia ciclo rico de talentos - Fernando Spencer, Jomard Muniz de Brito, Amin Stepple (em quem me inspirei para fazer a locução da Batalha), Geneton Moraes Neto, Paulo Cunha, entre outros - e cineastas de todo o Brasil participavam dos festivais daqui.
Para nós, estreantes no meio das feras, era a glória.
Geraldo olhava pra Fredi e pra mim e só fazia sorrir, os lábios escondidos pelo bigode.
A partida dele, no último dia 9, deixou nas minhas mãos a responsabilidade de providenciar a digitalização da única cópia em película do nosso filme, que recebi de Leonardo.
Quando Geraldo ainda estava entre nós, eu já tinha conversado sobre o assunto com o jornalista e cineasta Paulo Cunha, consultor da Cinemateca da Fundação Joaquim Nabuco.
Ana Farache, diretora, também está a par de tudo.
Geraldo compartilhou comigo orçamento para o serviço mas nos faltou dinheiro.
Transformar o velho rolo de Super 8 em arquivo digital é proporcionar ao público a possibilidade de conhecer uma obra considerada por Paulo Cunha “parte importante da nossa trajetória audiovisual”. É tarefa a ser concluída, compromisso de que não abrirei mão, presente de aniversário para meu amigo e para os amantes do cinema.
Geraldo, parteiro (sim, parteiro) de cinemas de calçada - ele não classificava Parque e São Luiz como cinemas de rua -, merece.
De onde estiver, certamente em local discreto como ele e estratégico como o que escolheu para mim no Cinema do Parque, Geraldo está acompanhando a parte III da Batalha dos Guararapes.