Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Pior presidente da história, Jair Bolsonaro tem entre os seus predicados piorar o que já é ruim.
Alertado por assessores sobre a importância, para a imagem do Brasil, de uma “fala de estadista” no plenário da Organização das Nações Unidas (ONU), rejeitou os conselhos diplomáticos.
Em 12 minutos na tribuna, diante de dezenas de líderes mundiais, pronunciou um dos mais provincianos e mentirosos discursos que já ressoaram em um dos mais importantes fóruns internacionais de debates.
A repercussão foi péssima dentro e fora do Brasil, atestando mais uma vez o predicado de Sua Excelência: a situação, que era ruim, ficou pior.
Na verdade, os sinais eram agourentos desde o desembarque de Sua Excelência em Nova York, onde fica a sede da ONU.
Foi advertido publicamente pelo prefeito da cidade por não ter se vacinado contra a covid-19; ironizado, também publicamente e devido ao mesmo motivo, pelo primeiro-ministro da Inglaterra; forçado a comer pedaços de pizza no meio da rua (os restaurantes nova-iorquinos recusam clientes não vacinados) e vaiado e chamado de golpista por manifestantes.
Em uma dessas trocas de insultos, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, partiu para a luta com gestos obscenos.
Tamanha balbúrdia pode ter afetado o comportamento equilibrado do presidente.
Tanto que ao discursar jogou fora de vez as ponderações dos diplomatas e iniciou um profundo e delirante mergulho em um Brasil que conserva em sua realidade paralela.
Sobraram omissões, falácias e mentiras.
Logo no início de sua peroração Bolsonaro anunciou que, no seu mandato, a corrupção foi banida do País.
Como se não existisse a CPI da Covid, investigação em que senadores destrincham fraudes bilionárias no Ministério da Saúde.
Ou episódios de contrabando de madeira da Amazônia, que levou à exoneração do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, acusado de envolvimento com quadrilhas.
Nas bordas, os ágeis filhotes, sob investigação no Rio de Janeiro e Brasília.
As suspeitas de tolerância com a corrupção tendem a enquadrar Jair Bolsonaro no relatório final da CPI da Covid.
Sem qualquer compromisso com a verdade, o presidente abordou em seguida a pandemia.
Foi talvez o seu melhor momento.
Sustentou que o vírus foi responsável pelo aumento da inflação no Brasil; acusou governadores e prefeitos de submeterem a população à privação de liberdade, com lockdowns sucessivos e – no clímax verbal – defendeu o tratamento precoce contra a covid-19.
Nenhum país civilizado adota tal procedimento, baseado em doses cavalares de medicamentos comprovadamente ineficazes contra o vírus, como a hidroxicloroquina.
Talvez, no futuro, os talibãs adotem a receita do presidente.
Sobre a tragédia sanitária no Brasil, que se aproxima dos 600 mil mortos, nenhuma palavra.
Além dos atentados à verdade ao falar sobre corrupção e pandemia, Sua Excelência tropeçou nos fatos em mais oito temas, segundo levantamento de agências especializadas em checagem de dados.
No conjunto, portanto, seriam 10 afirmações inverídicas.
Alguns exemplos: “As manifestações de 7 de Setembro, de apoio ao Governo Federal, foram as maiores da história”, disse ele. É mentira.
Naquela data os bolsonaristas reuniram 125 mil pessoas na avenida Paulista, em São Paulo, menos de 10 por cento da multidão de 1,5 milhão que lotou as ruas da capital para apoiar as eleições diretas, em 1984.
E continuou Sua Excelência, na marcha das ilusões: “Nosso banco de desenvolvimento era usado para financiar obras em países comunistas, sem garantias”.
Outra falsidade.
O BNDES, nos governos anteriores, realizou 148 operações em 15 países, por meio de mecanismo para exportação de bens e serviços.
Todos os contratos tiveram garantias e as inadimplências foram pagas com juros.
Prosseguiu Jair Bolsonaro, entitelado na tribuna da ONU: “Na economia, temos um dos melhores desempenhos entre os países emergentes”.
Tão verdadeiro quanto um coturno de pelúcia.
Relatório do FMI mostra que o desempenho do PIB do Brasil em 2020 ficou atrás da China, a Rússia e a Nigéria.
Há 14 milhões de brasileiros desempregados, 27 milhões abaixo da linha da pobreza e, em 2022, os economistas prevêem um crescimento do PIB de apenas 1,5 por cento.
Para escapar das críticas à destruição dos biomas da Amazônia, do Pantanal e do Cerrado, o presidente se valeu de um recurso esperto: comparou a área incendiada em agosto de 2021 com a área degradada em 2020.
A redução foi de 30 por cento.
No entanto, a conta não é essa e sim a área devastada e queimada nos dois anos e meio de seu desgoverno, em cotejo com a gestão anterior.
Nesse caso, a devastação aumentou 40 por cento, um desastre ambiental escandaloso; em algumas regiões, irreversível.
Ao descer da tribuna do plenário da ONU, Jair Bolsonaro estava menor do que quando subiu seus degraus.
Piorou o que já estava ruim – a imagem internacional do Brasil.
Recebeu alguns segundos de aplausos burocráticos.
Assim que o microfone foi desocupado, uma funcionária correu para desinfectá-lo com álcool em gel.
Joe Biden era o próximo orador.
Essencial evitar qualquer contaminação do presidente dos Estados Unidos.