O deputado João Paulo sugeriu a organização de uma audiência pública para debater com entidades da sociedade civil os riscos, as consequências e eventuais ações de nossa parte para o caso de ruptura da ordem constitucional. “Convoco todas e todos desta Casa a assumirem a responsabilidade de nossas atribuições democráticas de parlamentares.
No estado, é nosso dever combater na prática toda a agenda do projeto fascista que Bolsonaro representa”, afirmou durante pronunciamento na tribuna nesta quinta-feira (09). “O bolsonarismo é um fenômeno que está para além da figura medíocre do presidente e encaminha o país para um cenário distópico e fundamentalista, um talibanismo tropical movido a repressão, fome e morte”.
Confira o pronunciamento abaixo O PERIGO BOLSONARO O fomento do medo, do ódio, da insegurança, da desconfiança entre os cidadãos, é método antigo e eficiente das figuras autoritárias para se sustentar no poder quando sua incompetência e mediocridade para lidar com as liberdades se tornam mais evidentes.
Em 1936, em plena ascensão do fascismo, o pensador e escritor alemão Stefan Zweig escreveu um livro fascinante no qual descreve a cena social em que o teólogo autoritário Calvino chegou ao poder na Genebra do século XVI.
Na análise de Zweig, que veio morar no Brasil fugindo do regime nazista de Hitler, vemos como foram fomentados os elementos para que o autoritarismo tomasse força numa das regiões até então das mais liberais e democráticas da Europa naquele período.
Entorpecidos pela cultura do medo e do delacionismo estimuladas por Calvino, convencidos pelo discurso da ordem e do moralismo religioso, os cidadãos de Genebra entraram na trama de um regime autoritário e despótico de muita violência contra os indivíduos.
A descrição trazida no livro faz lembrar as semelhanças entre o que aconteceu na cidade de Genebra no passado anterior e voltou a acontecer, séculos depois, na Alemanha hitlerista.
Colegas deputados e deputadas, por favor, peço o devido cuidado com minha argumentação.
Não quero que fique ambiguidade no teor do que digo em minha comparação.
Karl Marx já dizia que a história só se repete como farsa.
Não estou querendo endossar nenhuma farsa bolsonarista ao comparar uma figura autoritária, porém da estatura de Calvino, com um bruto ignorante como é Bolsonaro.
Se trago a analogia entre os contextos, é porque a superficialidade das coincidências toscas pode esconder caminhos perigosos nos quais os medíocres se apoiam para traçar caminhos espúrios contra a democracia.
E nós os democratas precisamos ter coragem para dar um basta a essa cena grotesca a qual estamos assistindo em todo o país.
Por trás do slogan oficial do governo, “Brasil acima de tudo” vemos uma tradução desavergonhada e literal do bordão hitlerista - a Alemanha acima de tudo”.
Mas o que me preocupa como político formado nos valores democráticos e socialistas, como parlamentar republicano e defensor dos valores da vida, não é a semelhança mal disfarçada da publicidade entre o fascismo que já existiu e essa vergonhosa tentativa de imitar um passado tão nefasto, mas a presença dos outros ingredientes associados à lógica fascista de quem a produz.
Utilizando o aparato do Estado, o governo Bolsonaro tenta emplacar a divisão entre os brasileiros e visa com isso fomentar as bases para legitimar seu autoritarismo.
Identifico nessa postura dele o esforço desesperado de um governante incompetente e despreparado.
Ele grita suas bravatas porque está fraco e impopular.
E é nessa fraqueza que tem gravitado um enorme perigo.
Temos na figura dele todos os elementos característicos de um político acuado diante do regime democrático a quem só restou como refúgio de sua própria salvação a lógica fascista.
Só nela ele teria como se manter no poder.
Só ela sobrou para ele tentar se safar da prisão ou da morte, como ele mesmo já reconheceu.
Mas o que é a lógica fascista?
Como bem descreveu o professor da Universidade Yale Jason Stanley em seu livro “Como Funciona o Fascismo” a política fascista impugna o ideal liberal de liberdade quando se observa a presença de algumas características tais como: a elaboração de uma ideal de país baseado num passado mítico, a invocação de uma nação religiosa, racial e culturalmente pura, a presença para difusão dessas ideias e valores dos métodos de divulgação baseado em informações mentirosas, a propagação do anti-intelectualismo que desvaloriza a educação e a ciência, o uso da linguagem bélica que substitui o debate fundamentado por medo e raiva.
Juntam-se a esses elementos o ataque a credibilidade das instituições.
Observando a descrição do professor Stanley percebemos melhor como o bolsonarismo investe toda sua energia agora na tentativa de tolher pelas beiradas as nossas liberdades.
Usando de seus recursos mais abjetos, passa a apresentar, por exemplo, homossexuais ou pessoas transexuais, como uma ameaça a mulheres e crianças.
Faz isso tentando fazer parecer que defender essas ideias fossem a mesma coisa que ter preceitos morais. É uma tática asquerosa.
Precisamos repudiar essas mentiras.
Esses elementos combinados, que destroem pouco a pouco nossa capacidade de conviver com as diferenças, são utilizados para colocar as pessoas umas contra as outras, para produzir o ambiente propício para o crescimento do próprio fascismo.
Não obstante a malograda tentativa de golpe do dia 7, quando levou às ruas um número de manifestantes inferior ao esperado, Bolsonaro insistirá no apelo golpista e quanto mais acuado mais jogará suas fichas no caos.
Em seu discurso na avenida Paulista, por exemplo, repetiu as ameaças de sempre, afirmou que não cumprirá mais determinações do ministro do STF Alexandre Morais e que “canalhas nunca irão prendê-lo”.
Foi mais um ato de desespero do que de efeitos práticos para seu intento de destruir o ordenamento jurídico do País.
Mesmo assim, é preferível levá-lo a sério em suas intenções golpistas do que ser surpreendido pela desgraça do País.
Ele até pode recuar um pouco, mas logo em seguida dará seus passos além das pernas, com vistas, pelo menos, a manter a sociedade sob permanente tensão num momento em que já vivemos tensões suficientes, com a pandemia e a crise econômica que, nos dois casos, ele ajudou a criar e a aumentar suas proporções.
Nesse sentido convoco aos colegas deputados que se juntem à campanha nacional em defesa do Estado democrático de direito, pessoalmente e como corpo legislativo, pois o Brasil corre o risco de completa degradação que de muitas formas já está em andamento desde o início do mandato de Bolsonaro.
Considero que estamos onde estamos em relação a Bolsonaro por mau funcionamento da operação da democracia pelas instituições, com destaque para as casas legislativas.
A Câmara, que foi conivente com os brados dele desde antes de ser presidente e que já vai no segundo presidente sentado sobre uma pilha de processos consistentes de impeachment, e o Senado, que acabou de reconduzir Aras à PGR depois dele prevaricar em favor do presidente.
Não podemos persistir nesses equívocos.
Se não agirmos agora, em meu entendimento, corremos o sério risco de sermos cúmplices de uma tragédia humanitária como as ocorridas em outros tempos históricos, quando as mentes democráticas e libertárias renunciaram ao seu protagonismo e não conseguiram responder com a devida ênfase às declarações e atos dos opressores.
A nossa situação de hoje é resultado de um líder despreparado para o complexo jogo da política democrática, que aguça em função da sua desastrosa incompetência o quadro de crise econômica, sanitária e social.
No âmbito institucional os perigos são mais reais e imediatos, que se traduzem na cooptação de policiais militares para a desordem, no aparelhamento dos órgãos públicos por figuras de perfil nazifascista e por integrantes das Forças Armadas; na disseminação diária de fakes News, na criação de inimigos imaginários, na corrupção desenfreada que não atinge apenas o Ministério da Saúde; nas alianças com notórios mercenários da extrema-direita internacional, nas brigas com países vizinhos por razões ideológicas, na agressão constante à China – principal parceiro comercial do Brasil – e por uma diplomacia que busca deliberadamente o isolamento do país.
Convoco todos desta Casa a assumirem a responsabilidade de nossas atribuições democráticas de parlamentares.
Nos estados, é nosso dever combater na prática toda a agenda do projeto fascista que Bolsonaro representa.
Não apenas repudiar simbolicamente sua figura, mas barrar cada projeto e cada gesto que aponte nessa direção.
Pensem bem se estamos cumprindo essa obrigação na medida que o contexto exige.
Faço esse chamado para entrarmos juntos nesta luta contra o autoritarismo do pior e mais delinquente chefe de Estado que o Brasil já teve em sua história pós-invasão portuguesa.
Diante da gravidade da situação, inédita desde o fim da ditadura militar, convido os parlamentares para organizarmos uma audiência pública na qual possamos debater com as entidades da sociedade civil organizada (CNBB, Representação das denominações evangélicas, OAB, Universidades e Movimentos Sociais) os riscos, as consequências e eventuais ações de nossa parte para o caso da ruptura da ordem constitucional que se anuncia.
O bolsonarismo é um fenômeno que está para além da figura medíocre do presidente e encaminha o país para um cenário distópico e fundamentalista, um talibanismo tropical movido a repressão, fome e morte.
O Brasil está em perigo.
Todos nós estamos em perigo e até mesmo seus eventuais apoiadores, pois as ditaduras, especialmente aquelas encaminhadas por sociopatas armados, não costumam permitir o funcionamento do legislativo e faz inimigos entre os seus com a mesma facilidade com a qual elimina oponentes ideológicos.
Os moros, mandetas e bebianos não serão os últimos.
Estamos diante da insanidade e das trevas.
Precisamos agir!Fora Bolsonaro.
Abaixo a ditadura!