Por Liniker Xavier, em artigo enviado ao blog “O Brasil é uma nação enferma e a igreja deve orar contra o monstro da inflação, da miséria, do desemprego, e a favor do presidente da República, da pátria.

Enquanto as igrejas estão fechadas, cinemas, casas de prostituição e terreiros de umbanda e candomblé funcionam diuturnamente.

Os evangélicos devem usar as suas reservas morais para influenciar decisões nacionais através de representantes colocados por Deus nas esferas executiva, legislativa e judiciária, contra a podridão moral que enfraquece a cultura nacional e está debilitando a justiça brasileira”.

O trecho acima poderia ilustrar facilmente uma convocação evangélica a favor do governo Bolsonaro para o próximo sete de setembro, mas, na verdade, é o trecho de uma matéria publicada em 1987 no Mensageiro da Paz, o jornal oficial das Assembleias de Deus no Brasil.

O recorte aparece no livro “Ditadura, democracia e fé no país da moral e bons costumes”, lançamento da Editora Recriar no próximo mês, escrito por mim em parceria com a pesquisadora Marina Corrêa.

Investigamos o comportamento político da Assembleia de Deus na década da redemocratização e, lamentavelmente, em pleno 2021, pouca coisa mudou.

O eleitor pernambucano deve se preparar para o show de horrores que será apresentado no feriado do sete de setembro.

O deputado estadual Cleiton Collins e o vereador do Recife Júnior Tércio, que disputam o mesmo eleitorado assembleiano, já anunciaram que irão participar de uma motociata em apoio a Bolsonaro.

O assembleiano Tércio está de olho em uma Assembleia que não é a Deus, mas sim a Legislativa, e deve fisgar muitos dos votos do pastor Collins, especialmente com a esposa em alta, Clarissa Tércio, que chegou a pontuar na pesquisa do Instituto Plural para a disputa do governo do estado.

Cleiton Collins não teve a mesma sorte.

A esposa e vereadora Michele Collins, que quase perdeu a cadeira na Câmara do Recife ano passado, está com o mandato em baixa, vítima do radicalismo bolsonarista abraçado e patenteado pelos Tércio com mais rapidez em Pernambuco.

Os dois casais já publicaram nas redes sociais seus cartões verde e amarelo confirmando presença no protesto anti-democrático do próximo sete de setembro.

Tomadas pelo bolsonarismo, parte considerável das igrejas evangélicas decidiram, em um movimento de aproximação dos tempos bíblicos, ter o seu próprio bezerro de ouro.

Neste caso, o presidente da república que, entre uma agressão e outra, frequenta as igrejas para receber as orações de lideranças como Silas Malafaia, Edir Macedo e muitos outros.

Não por acaso, os veículos de comunicação evangélicos, nos dois primeiros anos de Bolsonaro no poder, receberam mais de 30 milhões em verbas públicas por campanhas publicitárias do Governo Federal.

Entre os beneficiados estão a RecordTV, a Fundação Sara Nossa Terra, a Rede Boas Novas da Assembleia de Deus e, ainda, veículos da Renascer em Cristo e Internacional da Graça.

Sempre flertando com a ditadura e o autoritarismo, as tradicionais denominações evangélicas temem a modernidade e a democracia.

E isso acontece mesmo quando observamos a política interna dessas igrejas.

Em muitos ministérios assembleianos brasileiros o cargo de pastor presidente é vitalício.

Não são os fiéis que elegem seus pastores.

Há um único eleitor: Deus.

De acordo com essas lideranças, é Deus quem elege o líder.

E quem ouve a voz a Deus para apresentar o voto dele a igreja?

O grupo político que comanda a denominação.

Em Pernambuco, quando a Covid-19 matava milhares ao dia no país, a centenária Assembleia de Deus do estado convocou uma campanha de oração elencando, por ordem de importância, os dez itens que deveriam estar nas preces dos membros da igreja.

Na décima e última posição, os fiéis deveriam orar por uma intervenção divina para a cura da Covid.

Antes, em nono lugar, orar pela recuperação econômica do país e pelas empresas.

Ainda, em sexto lugar, orar pelos dízimos.

E, em primeiro lugar, orar pelo líder da igreja, o pastor presidente.

Cada um com as suas prioridades.

A democracia nunca foi o forte dos evangélicos tupiniquins, que perderam todo o pudor e passaram a endossar abertamente as fake news bolsonaristas contra o Supremo Tribunal Federal, a exemplo do que fez o líder de uma Igreja Episcopal Carismática.

Aderir ao radicalismo e a chamada “lacração” é a alternativa mais viável para os candidatos evangélicos a cargos eletivos nas eleições 2022.

Para isso, enrolam-se em bandeiras do Brasil enquanto gritam palavras de ordem a favor da moral e dos bons costumes, fazendo uso de um discurso escatológico contra o que chamam de comunismo.

Denunciam a devassidão do mundo ao mesmo tempo em que fazem vista grossa para a devassidão que não apenas tomou espaço dentro de seus templos, mas chegou aos seus púlpitos.

Liniker Xavier é jornalista e doutorando em ciências da religião na Universidade Católica de Pernambuco