Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Em 23 de abril de 1984, a população de Brasília testemunhou um espetáculo grotesco: montado em um cavalo branco, o comandante militar do Planalto, general Newton Cruz, à frente de soldados e tanques, chicoteava carros em que motoristas, buzinando, protestavam contra a ditadura militar.
A intrépida cavalgada do general Nini, como era tratado na intimidade, pouco adiantou e o regime autoritário seguiu a sua marcha rumo aos porões do passado.
Na semana passada, um comboio de 150 veículos militares – tanques, blindados e caminhões – voltou às ruas de Brasília, 37 anos depois das chicotadas do general Nini.
Agora, não mais para reprimir manifestações contra a ditadura, e sim para intimidar deputados federais que ameaçavam votar contra manobra golpista do presidente da República Jair Bolsonaro.
Como no passado, a pressão não funcionou.
Em erosão acelerada, o regime ditatorial liderado pelo general João Figueiredo morreu em 1985 sem choro nem vela; o civil José Sarney assumiu a presidência e se iniciou o processo de redemocratização do País.
Os deputados federais também não se intimidaram diante dos veículos militares, desfilando diante de Bolsonaro, postado na rampa do Palácio do Planalto.
Ao seu lado, os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e o ministro da Defesa.
O pretexto da carreata foi entregar ao presidente convite para participar da Operação Formosa, treinamento anual dos militares em Goiás, a cerca de 115 quilômetros de Brasília.
A operação é realizada desde 1988 e nunca o comboio, que se desloca em direção a Goiás, entrou no centro de Brasília.
Bolsonaro e o ministro da Defesa, general Braga Netto, exigiram que o roteiro fosse alterado, de forma que os tanques e blindados estivessem postados na Esplanada dos Ministérios no dia em que a Câmara dos Deputados iria votar a aprovação do voto impresso na eleição de 2022.
A substituição do voto eletrônico pelo voto impresso é uma das manobras golpistas do presidente da República.
Ele sabia que os deputados federais iriam negar apoio ao retorno do voto impresso – substituído pelo voto eletrônico desde 1996.
No entanto, manteve a pressão: “A urna eletrônica pode ser fraudada.
Ou fazemos uma eleição limpa, com o voto impresso, ou não teremos eleição”.
Como o desejo de Bolsonaro não foi atendido pelos deputados federais, aguarda-se agora a nova ameaça golpista.
A cena dos tanques e blindados roncando entre o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal é tão patética quanto a cavalgada e as chicotadas do general Nini em 1984.
Contudo, a cena de hoje é mais perigosa.
Nini e o seu corcel branco eram os representantes de uma ditadura nos estertores.
Bolsonaro, com suas reiteradas manobras golpistas, para as quais busca o apoio da direita fardada, tenta liderar uma ditadura em construção.
Nesse sentido, tudo lhe serve de pretexto para fundamentar uma polarização que o coloque à frente de uma aliança conservadora de direita para dizimar o polo progressista na eleição presidencial de 2022.
Vale o “debate” sobre o voto impresso; o semipresidencialismo; os insultos aos ministros dos tribunais superiores – o que se prestar a expor seu autoritarismo e seu anticomunismo.
A sua obsessão é vencer a disputa presidencial do próximo ano, com as armas de que dispuser.
Isso inclui tumultuar a disputa, abrindo caminho para contestar o resultado eleitoral, caso seja derrotado.
A derrota do projeto do voto impresso se adequa à manobra golpista.
Bolsonaro pode afirmar que sem voto impresso não disputará a eleição e, se houver eleição com voto eletrônico e ele perder, sustentar que o pleito foi fraudado – como ele previra.
Em qualquer das situações, uma crise política vai se instalar.
Os mais otimistas acham que Sua Excelência estaria muito isolado para armar uma manobra dessa envergadura.
Outros sustentam que, em uma conjuntura de polarização extremada, ele ainda teria cartas para jogar.
E, nesse momento, uma das cartas seria a direita das Forças Armadas.