Por Rodrigo Augusto Prando, em artigo enviado ao blog Na semana passada, nos estertores da semana, na sexta-feira, uma notícia chacoalhou a política nacional: uma foto de FHC e Lula após um almoço promovido pelo ex-ministro Nelson Jobim.

No cardápio, segundo informações, discussões sobre o Brasil, a democracia e a gestão da pandemia realizada pelo Governo Bolsonaro.

As reações não foram poucas.

Vejamos algumas.

Os petistas, obviamente, gostaram assaz da repercussão, já que FHC é quase que uma chancela democrática para qualquer ator político.

Por isso, os petistas não se constrangem em ficarem animados com a declaração de que, num eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, FHC não hesitaria em votar em Lula.

Os petistas animados, em grande parte, foram os que criaram a falsa narrativa de “privataria”, “herança maldita” e, ainda, os que dividiram o país entre “nós” x “eles”.

Com relação à postura de FHC, de jantar e posar para uma foto com Lula, não faltaram críticas: para muitos FHC não deveria conversar com Lula, um corrupto; ou que a atitude acabou por enterrar as chances de um candidato do PSDB e, por fim, para ficar nas mais frequentes, que esse encontro será capaz de aumentar o sentimento antipetista e colocar Lula e FHC como “farinha do mesmo saco” e reordenar as forças bolsonaristas.

Vamos, então, aos fatos.

Fernando Henrique Cardoso sempre foi um democrata, conversou muito e com várias correntes políticas.

Cardoso foi ponta de lança de resistência ao Regime Militar no Brasil e, por isso, foi perseguido, aposentado compulsoriamente e exilado.

Voltou ao Brasil e fundou com Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e, ali, firmou posição contra o arbítrio e iniciou sua passagem de acadêmico e intelectual público para sua vida política.

FHC, em 2015, no auge do antipetismo, aceitou convite de Fernando Haddad para irem à opera, no Theatro Municipal.

Mais recentemente, FHC conversou com Luciano Huck; dialogou, ainda, com João Doria, com Michel Temer, com Marina Silva, Ciro Gomes, Eduardo Leite, Luiz Henrique Mandetta, entre muitos outros.

Aliás, já na pandemia, em evento virtual, Ciro fez questão de aquilatar a importância de FHC como um democrata e disse que ele, Ciro, em várias ocasiões havia sido duro no embate e, mesmo assim, FHC não havia se fechado para o diálogo.

Outro argumento crítico: FHC enterrou as chances de uma candidatura do PSDB.

Como assim?

Então, ele, FHC, é capaz de, sozinho, inviabilizar um candidato tucano?

Pura ficção.

Sejamos claros, bem claros: se o Brasil tivesse algum elemento de racionalidade, de avaliação entre os meios para se atingir determinados fins, Doria, Governador de São Paulo, que lutou pela vacina e a está ofertando para o país, seria o nome mais forte dentro do PSDB e mesmo de todo o polo democrático para o embate com Bolsonaro em 2022.

Numa das últimas pesquisas de intenção de voto para 2022, Doria apresenta-se com cerca de 3% (Lula 41% e Bolsonaro 23%, no primeiro turno).

Mesmo com a Coronavac no braço de cerca de 80% dos brasileiros, Doria não ganha musculatura eleitoral e não consegue ultrapassar as resistências dentro do próprio partido.

Assim, em verdade, se os tucanos não forem viáveis eleitoralmente não será pelo almoço de FHC com Lula.

A sociedade brasileira, neste momento, ainda está ligada à polarização e, assim, ganha força o embate populista entre o bolsonarismo e o lulopetismo.

E, por fim, de que FHC e Lula, juntos, darão força ao bolsonarismo e colocam no mesmo espectro político os tucanos e petistas.

Bem, desde a eleição, Bolsonaro apresenta uma base de apoio de cerca de 30%.

Para os bolsonaristas há a “velha política” e nela colocam todos que não são bolsonaristas e aliados ao seu projeto de poder.

O bolsolavismo, por exemplo, vê comunistas em todas as partes e isso não mudará para 2022.

Ah! - vociferam alguns - a presença de FHC pode tirar votos do polo democrático e jogá-los na reeleição de Bolsonaro.

O polo democrático tem tarefa hercúlea que é encontrar força e viabilidade num ambiente em que Bolsonaro e Lula são francos favoritos.

Os democratas, moderados, de centro, devem construir uma candidatura que se comunique com a sociedade brasileira e que se mostre distante de Lula e Bolsonaro. É possível?

Sem dúvida, mas, no cenário hoje, é muito complicado.

Pode até acontecer de que o resultado da desastrosa condução da epidemia, da economia combalida e a CPI levem Bolsonaro a ficar fora do segundo turno e, com isso, muda-se tudo, abrindo espaço para um moderado disputar com Lula no segundo turno com chances concretas de vitória.

Até outubro de 2022, temos um longo percurso e, na política, o mosaico de forças, atores, interesses pessoais e partidários altera-se continuamente.

O polo democrático pode construir um projeto coletivo, com um candidato de consenso, mas este deve ser aceito pelo eleitorado.

Em conhecido portal de notícias, após uma entrevista minha, ficou estampado: “FHC não tem paciência para decisões de partido, diz professor do Mackenzie”.

A chamada da matéria remete a algo que, efetivamente, está naquilo que disse, até porque estudei a trajetória intelectual e política de Fernando Henrique Cardoso.

Prestes a completar 90 anos, FHC, embora presidente de honra do PSDB, é um intelectual público.

Encontra, dialoga e apoia quem quiser.

FHC foi, logo depois da divulgação do encontro com Lula, afirmar, em suas redes sociais, que votará num candidato de seu partido, mas que não exclui votar em Lula no segundo turno.

Teóricos da Política ou mesmo os atores políticos atacam FHC naquilo que é básico na democracia: liberdade de ir e vir, liberdade de pensamento e votar em quem quiser.

Quando da construção da narrativa da “herança maldita” pelos petista, FHC passou anos, sozinho, defendendo seu legado e candidatos tucanos como Serra e Alckmin esconderam FHC e ele sabia que isso era do jogo político.

FHC fez um gesto simbólico e ele sabe disso.

Farol alto para enxergar longe, eis o recado de um senhor de 90 anos, que conhece a democracia e os perigos do autoritarismo.

Rodrigo Augusto Prando é professor e Pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.