Por Rodrigo Augusto Prando, em artigo enviado ao blog Teve início, no Senado, a CPI que investigará as responsabilidades do Governo Federal, bem como de estados e municípios, no que tange à crise pandêmica que ora vivenciamos.
Embora outros entes federativos possam ser trazidos à tona, não nos enganemos, pois, a comissão parlamentar de inquérito mira, sim, o bolsonarismo no bojo do Governo.
Há, neste sentido, um bolsonarismo militante - nas redes e nas ruas - e o bolsonarismo governamental, daqueles que, ideologicamente e nos valores, ocupam funções na estrutura estatal e imprimem, em suas falas e ações, facetas do presidencialismo de confrontação.
Nos primeiros meses do mandato do presidente Jair Bolsonaro, após sucessivas declarações, principalmente, do próprio presidente, asseverei, alhures, que as vontades e suas realizações trazem consequências.
A situação em tela: quase 400 mil mortos e uma CPI em funcionamento são, portanto, os resultados de uma escolha deliberada de Bolsonaro e seus ministros de alicerçar discursos e condutas sobre os pilares do negacionismo, do desprezo à ciência, das teorias da conspiração e das fake news.
A CPI, como se sabe, é instrumento político das minorias parlamentares e que objetivam desnudar determinadas responsabilidades, podendo estas serem, também, políticas, jurídicas, e até criminais.
No conjunto dos senadores que compõem a comissão, o governo se encontra em minoria e, por isso, a situação já é, na largada, difícil.
Manobras jurídicas tentaram impedir que Renan Calheiros fosse indicado como o relator, cuja posição é de suma importância dado ao fato de produzir o relatório final.
No palco da CPI, os atores serão: o presidente eleito Omar Azis (PSD-AM), o vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e, na sequência, Azis indicou Renan Calheiros (MDB-AL) como relator.
Há, ainda, os senadores Humberto Costa (PT-PE), Otto Alencar (PSD-BA), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Marcos Rogério (DEM-RO), Eduardo Braga (MDB-AM), Eduardo Girão (Podemos-CE), Ciro Nogueira (PP-PI) e Jorginho Mello (PL-SC).
Renan Calheiros é, na política, daqueles adversários que ninguém deseja.
Um amigo e interlocutor frequente nos assuntos atinentes à política disse-me, ontem, que “Renan é dos poucos que sabem fazer o mal com tanto carinho”.
Na instalação da CPI, a fala de Calheiros foi dura. “Não foi o acaso ou o flagelo divino que nos trouxe a este quadro.
Há responsáveis, há culpados, por ação, omissão, desídia ou incompetência e eles serão responsabilizados”, disse.
E, ainda: “Os crimes contra a humanidade não prescrevem jamais […].
O país tem o direito de saber quem contribuiu para as milhares de mortes.
E eles devem ser punidos imediatamente e emblematicamente”.
Se muitos políticos, metaforicamente, podem atirar para todos os lados, Renan é um atirador de elite, um sniper.
Segundo os jornalistas informam, senadores aliados do governo buscarão, no Supremo Tribunal Federal, barrar a função de Renan na relatoria da CPI.
E isto indica que o senador alagoano é deveras temido pelo Planalto.
Muito se comentou acerca de um relatório produzido pelo governo que, para antecipar sua defesa, destacou ações e omissões que nem mesmo se tinha aventado na CPI e, pior, foi este relatório ter vazado.
Mas, para quem acompanha a cena política, lê os jornais e revistas e, ainda que panoramicamente, frequente as redes sociais, Bolsonaro, seus ministros, seus filhos, aliados políticos já produziram material fartamente registrado sobre praticamente todas as falas, entrevistas, lives e ações, desde março de 2020 até agora.
O ponto alto em toda a CPI é, sem dúvida, tirante o relatório final, as sessões com depoimentos aos parlamentares.
E, neste caso, os parlamentares, dotados de retórica política, submetem os depoentes a um ambiente de tensão, enorme exposição e saraivada de perguntas e argumentações que podem produzir peças explosivas.
Deem um microfone ao ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, médico e político e, depois, ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.
Submetam os dois à pressão.
Já conseguem imaginar o resultado?
Coloquem cientistas e pesquisadores como, por exemplo, Natalia Pasternak, Atila Iamarino, Margareth Dalcolmo e Miguel Nicolelis de um lado e, do outro, Ernesto Araújo, Paulo Guedes, Carla Zambelli e Flavio Bolsonaro. É, por isso, que muito se afirma que todos sabem como começa uma CPI e nunca como ela termina.
O presidente Bolsonaro e o seu governo serão desgastados ao longo deste processo de investigação.
O resultado, por enquanto, será difícil de prever, todavia, numa perspectiva de construção de cenários futuros, nenhum deles é favorável para o bolsonarismo.
Acuado, Bolsonaro continua a atacar, ameaçar e menosprezar a CPI, chamando-a de “carnaval fora de época”.
Felizmente, para o governo, não é carnaval e, por conta disso, não há o povo nas ruas.
Dialeticamente, a pandemia que fragiliza o governo também o protege de protestos massivos.
Rodrigo Augusto Prando é Professor e Pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.