O ex-ministro da Fazenda e diplomata Rubens Ricupero debateu, durante o Foro Inteligência, as possíveis brechas para que o Brasil possa ter acesso e garantir a entrega de vacinas o mais rápido possível. " O Brasil é visto no mundo como um desastre no enfrentamento da pandemia.

Nossa imagem é a pior possível.

Já somos percebidos como um risco sanitário pelos vizinhos.

Um sério problema resultante do isolamento político, sobre o qual se fala pouco, é a distribuição da vacina.

O Brasil pode ficar no fim da fila da vacina", destaca.

Desde o início da pandemia o governo brasileiro, destacou Ricupero, minimizou o problema, hostilizou a Organização Mundial da Saúde (OMS), rejeitou e ironizou a vacina da Pfizer. “O Brasil usou e abusou do direito de errar.

Não fosse o governo de São Paulo, ainda nem teríamos vacina.

Foi uma iniciativa de um governo subnacional.

Essa sucessão de erros não se corrige facilmente”, ressaltou Ricupero.

Durante o evento, o diplomata avaliou que, caso não haja uma mudança concreta na política externa, vai haver cada vez mais um isolamento do Brasil.

Ressaltando as inúmeras provocações do governo brasileiro à China, lembrou que o país asiático é extremamente suscetível, já que no passado sofreu muita humilhação dos ocidentais. “O atraso no fornecimento da matéria-prima foi um sinal que o governo chinês mandou como uma advertência ao governo brasileiro.

Tanto que agora o governo parou de insultar a China.

O atraso foi de algumas semanas e o Brasil sentiu as consequências disso”, pontuou.

Depois da China, os Estados Unidos vão ser o maior fornecedor de vacinas.

O diplomata também acredita que um bom relacionamento com o país pode facilitar o acesso e a entrega de imunizantes mais rápido.

Em fevereiro, o governo americano afirmou que pretende fortalecer a relação bilateral com o Brasil nos próximos meses, mas fez alertas para pontos discordantes com o Brasil.

Os Estados Unidos vêm mostrando preocupação com o desmatamento na Amazônia e cobrou avanços da pauta ambiental no governo brasileiro.

A questão do clima é o próximo ponto de tensão, mapeado por Ricupero, entre as dificuldades que o governo brasileiro terá frente aos Estados Unidos para receber os imunizantes que vão sobrar no país.

O governo americano, apontou Ricupero, tem lotes da vacina AstraZeneca que não serão usados, pois não houve aprovação interna.

O México e o Canadá já receberam doações dos Estados Unidos. “Mais uma vez a questão diplomática do governo brasileiro será decisiva para que o Brasil possa receber também”, avalia.

Para Ricupero, o único trunfo para reverter a situação atual é justamente a tragédia em que o Brasil se encontra. “Como o Brasil está sendo visto como o pior do mundo a lidar com a crise, isso pode fazer com que os outros países tenham pena e nos ofereçam ajuda”, disse.

O apelo do ministro da Economia, Paulo Guedes, por “cooperação internacional” para melhorar a distribuição de imunizantes, a fim de permitir uma recuperação mais homogênea da economia mundial está começando a fazer efeito, acredita o diplomata.

Ricupero observa que para reverter a imagem do país é necessário partir para mudanças concretas.

Mais do que palavras e discursos, ele afirma, é necessário ação.

O Brasil tem chances, vai depender de o governo promover essa mudança. “O que esperamos é uma melhoria real.

Boa parte dessa agenda deve focar no meio ambiente.

Vamos mudar ou manter essa atitude de desafio, que pôs de lado o Fundo Amazônico? É preciso saber se o governo vai aproveitar essa mudança como uma oportunidade de ouro para repensar as premissas e reavaliar o que fizemos até agora e seguir um caminho diferente”, diz o diplomata.

Sobre a crise sanitária, Ricupero advertiu que já é sabido que sempre haverá epidemias, risco intensificado pela globalização. “Desde a gripe espanhola, já tiveram de sete a oito episódios de novas doenças.

A diferença é que elas eram contidas nas regiões de origem.

O mundo não tem sistema para controlar pandemias.

O ideal seria um sistema preventivo que pudesse identificar a epidemia, antes de virar pandemia”, opina.

Para o futuro do Brasil, em longo prazo, o ex-ministro recomenda que se volte a fazer o que sempre foi a missão da Fiocruz e do Instituto Butantã: investir e produzir vacinas. “O país sempre foi referência nessa área.

Mas para isso, é imprescindível contar com o apoio do governo e do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Tem que haver um esforço nacional”, avaliou.