Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Em 1983, já nos estertores, a ditadura cívico-militar (1964-1985) promulgou a Lei de Segurança Nacional, derradeiro arcabouço autoritário do regime.
Baseada na doutrina de segurança nacional, a LSN – como passou a ser chamada – prioriza o combate a um inimigo interno, a ser eliminado; permite a incomunicabilidade do preso; a sua custódia pela autoridade que preside o inquérito e o recurso ao Código Penal Militar para punir civis.
Desde o início do processo de redemocratização, com a eleição indireta do presidente José Sarney, até o governo do presidente Michel Temer, período marcado por grandes crises, nenhuma liderança política cogitou recorrer à LSN – que não está revogada – para superar problemas.
Até Jair Bolsonaro assumir o poder e passar a usar a lei da ditadura para pressionar seus adversários.
Um dos 35 artigos da LSN estabelece que pode-se criminalizar, com base na defesa da segurança nacional, quem caluniar ou difamar o presidente da República e outras autoridades públicas.
Entendimentos oportunistas desse enunciado fizeram com que o número de investigações fundadas na lei crescesse 285% no governo Bolsonaro – o que não surpreende em um presidente que nunca poupou elogios à ditadura.
Desde março passado ações questionam a LSN no Supremo Tribunal Federal, tendo na relatoria de todas elas o ministro Gilmar Mendes.
O PTB e o PSDB pedem que a legislação seja completamente suspensa.
Ação do PSB e iniciativa conjunta do PT, PSOL e PCdoB requerem que apenas parte da lei seja invalidada e outros artigos tenham aplicação limitada pelo STF.
São urgentes uma decisão do Supremo e o aprofundamento do debate no Congresso Nacional.
Em 2014, no governo de Dilma Rousseff, a Comissão Nacional da Verdade pediu a revogação da LSN.
Partidos políticos e movimentos democráticos reiteram agora a solicitação.
O alarme se deu apenas quando representantes do governo recorreram à lei para ameaçar jornalistas e professores universitários por críticas ao Ministério da Saúde no combate à pandemia.
Um dos caminhos que está sendo trabalhado pelo Legislativo é acelerar a tramitação de um projeto que insere no Código Penal dispositivos da LSN.
Denominado de Nova Lei do Estado Democrático de Direito, o projeto é defendido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que pretende votá-lo em regime de urgência.
Lira tem o apoio de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado.
Os dois lideram a base parlamentar de apoio a Bolsonaro.
O STF tende a uma solução intermediária: manter a LSN, mas dela excluir artigos cuja interpretação possa abrir espaços para excessos – como ataques à liberdade de expressão, assegurada na Constituição.
No entanto, há pressa.
Nas mãos de um Jair Bolsonaro cada vez mais acuado, a Lei de Segurança Nacional pode se transformar em mais uma arma contra a democracia. É necessário contê-lo. É necessário deletar ou desidratar ao máximo esse entulho autoritário.