Por José Maria Nóbrega, cientista político, em artigo enviado ao blog É de importância condicional a independência do Poder Judiciário para o bom andamento da democracia, sobretudo nos países latino-americanos onde a cultura democrática é historicamente tímida.

Interferências políticas, entenda-se o envolvimento dos poderes Legislativo e Executivo (sobretudo este último) no andamento institucional do Judiciário, fragiliza seu funcionamento, pois, na perspectiva teórica da democracia contemporânea (vide capítulo 1), tal interferência afeta a garantia da isonomia que deve formar a essência daquele poder.

Essa isonomia está ligada diretamente ao respeito dos direitos civis e, consequentemente, da própria democracia.

A definição de independência judicial compreende a liberdade do juiz no exercício da sua função jurisdicional sem que ele seja submisso às pressões de poderes externos à magistratura ou dos órgãos colegiados integrantes do próprio Poder Judiciário.

A absoluta liberdade de julgamento do juiz deve ser garantida para que o mesmo aplique a lei de forma isonômica e independente, inclusive contra o governo e a administração pública, tendo como princípio a separação dos três poderes e suas forças distintas (Melo Filho, 2002: p. 11).

Apesar das distinções que ocorrem de país para país nesse quesito, é fundamental para o Brasil o critério aqui colocado.

Aspectos históricos levaram o nosso Poder Judiciário a ter características antiliberais, diferente do que ocorre no modelo anglo-americano (Ferreira, 2004).

Na França, em demais países continentais, e em suas colônias latino-americanas, a concepção do juiz sem independência ou garantias, mera boca que pronuncia a lei, prevaleceu, mantendo a dependência e a subordinação do Poder Judiciário ao Poder Político.

Já na Inglaterra, os juízes desfrutam, até hoje, de total imunidade, respeitabilidade, afastando-se do modelo burocrático (Melo Filho, 2002: p.18) Numa democracia a Constituição é a Carta Magna e como tal deve sobrepor-se a todas as outras leis.

As normas contrárias à Constituição devem ser subtraídas do ordenamento jurídico por serem inconstitucionais.

Isso mostra como a questão da independência é fator fundamental para o exercício da democracia, pois os funcionários habilitados para realizar a declaração de inconstitucionalidade são os juízes.

Eles são os únicos habilitados para interpretar a Constituição.

Na brilhante análise que Tocqueville (1998) fez da Democracia americana, destacou o caráter independente do Poder Judiciário norte-americano.

Nela, “os americanos reconhecem aos juízes o direito de fundar suas decisões na Constituição, em vez de nas leis.

Em outras palavras, permitiram-lhes não aplicar as leis que lhes pareçam inconstitucionais” (Tocqueville, 1998: p. 113).

Ainda em Tocqueville: “o poder concedido aos tribunais americanos de pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade das leis representa também uma das mais poderosas barreiras erguidas contra a tirania das Assembleias políticas” (Tocqueville, 1998: p. 117).

Dessa forma, mostra-se imperativo para a consolidação da democracia um Judiciário independente.

Utilizarei como exemplo empírico da falta de independência do Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal.

Nossa principal corte.

Corte revisora constitucional que, como bem disse Alexis de Tocquevile, é a principal instância do Poder Judiciário.

Aquela que será responsável pela fiscalização da Constituição e, por sua vez, dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros.

Existem quatro modalidades de escolha de juízes utilizadas nas democracias liberais contemporâneas.

São elas: a eleição, a nomeação, o concurso e a cooptação.

A eleição como forma de escolha acontece, apenas, nos EUA, na Suíça e na Albânia.

O mecanismo utilizado é o voto popular.

O mecanismo de cooptação é o pior entre as modalidades citadas, pois estimula o nepotismo e a corrupção.

No Brasil, nos Tribunais Eleitorais os membros magistrados são designados pelos tribunais aos quais pertencem (Melo Filho, 2002: p.25).

A modalidade que parece ser a menos injusta e, por sua vez, o mecanismo mais viável para o bom funcionamento do Poder Judiciário, é o concurso público.

Este modelo configura-se como o mais apropriado. É aberto, favorece uma igualdade de condições a todos os candidatos que preencham certos requisitos fixados em lei, excluindo qualquer espécie de privilégio ou discriminação (Dallari, 1996: p.25).

Por fim, a nomeação é um dos métodos mais utilizados.

Esta modalidade de escolha é marcada por critérios eminentemente políticos, atentando, dessa forma, contra a independência do Judiciário.

Os membros das Cortes de Justiça no Brasil são escolhidos dessa forma, gerando interesses políticos, principalmente por parte do Executivo (Melo Filho, 2002), mas não só dele.

Desde o início do Brasil como Estado-Nação o caráter dependente que circunda as instituições jurídicas prevaleceu.

Depois dos sérios problemas com a Assembleia Constituinte de 1823, que resultou na sua dissolução pelo imperador Pedro I, foi elaborada a Constituição imperial, outorgada em 25 de março de 1824.

A partir daquele momento a ingerência do poder político nas instâncias jurídicas nacionais iniciou-se.

Naquela carta magna, em seu artigo 163, o Império dispunha da existência de um Tribunal com a denominação de Supremo Tribunal de Justiça que era composto por juízes das Relações – órgãos de segunda instância – segundo o critério de antiguidade.

Foi naquele órgão que se originou o Supremo Tribunal Federal.

Tinha como competência decidir sobre os conflitos de jurisdição, julgar os seus membros, os membros das Relações, os presidentes das províncias e os integrantes do Corpo Diplomático, também concedia revistas nas causas que lhes fossem submetidas.

No artigo 151 da Constituição de 1824, a corte suprema “era um poder que se limitava a dirimir as controvérsias do direito privado, de modo que os atos da Administração Pública escapavam ao seu controle” (Velloso, 1996: p. 16).

O Supremo Tribunal de Justiça do Império não tinha características de poder político.

A ele não se atribuía o controle de constitucionalidade das leis e dos atos da administração, pontos que só seriam inseridos ao seu papel quando da ascensão da República em 1889.

Aí houve a influência do constitucionalismo norte-americano.

A Carta de 1824 tinha influência da França, onde o controle de constitucionalidade é procedido pelo Poder Legislativo.

Proclamada a República em 15 de novembro de 1889, algumas medidas foram tomadas transformando o Supremo Tribunal de Justiça em uma Corte nos moldes da Corte Suprema dos EUA.

A primeira dessas medidas foi a edição do decreto nº. 510, de 22 de junho de 1890, secundado pelo decreto nº. 848, de 11 de outubro de 1890, transformando o tribunal monárquico em Supremo Tribunal Federal, instituição de caráter republicano, federativo, à qual se dirigia a responsabilidade da guarda dos direitos individuais do cidadão e da própria Constituição.

Depois de promulgada a Constituição Republicana, em fevereiro de 1891, tem-se instalado o Supremo, com características efetivas de poder político.

Era constituído por quinze ministros, dois a menos que o Supremo Tribunal de Justiça do Império.

Já na primeira Carta da República existiam atribuições para a competência no processo de nomeação dos membros do Supremo Tribunal ao Presidente da República.

Eram exigidos notáveis saber e reputação com idade superior a 35 anos como requisitos.

A nomeação estava sujeita à aprovação do Senado.

Artigos 48, 12 e 56 da Constituição de 1891.

Com a Revolução de 1930, Getúlio Vargas fez algumas modificações.

Compulsoriamente, afastou seis ministros do Supremo Tribunal Federal, reduzindo o seu quadro para 11 ministros.

Essa quantidade permaneceu nas cartas constitucionais de 1934, 1937 e 1946.

Na Constituição de 1934 houve alterações nos requisitos de nomeação.

O escolhido deveria ser brasileiro nato, fato este que não era exigido, tendo como idade limite 65 anos.

A de 1937 teve reduzido a idade limite para 58 anos de idade, respaldada em seu artigo 98.

A aprovação do indicado dependeria do Conselho Federal, que era a Câmara Alta, protegida pela Constituição.

No artigo 95, § 1º da Constituição de 1946, foi fixada a idade de 70 anos para a aposentadoria compulsória de magistrados, sendo assim, mesmo depois de ter eliminado a idade limite para a nomeação, o indicado não poderia ser maior de 69 anos de idade.

Nessa Constituição, volta para o Senado a prerrogativa da aprovação do nome indicado, como reza o artigo 99.

A composição do STF foi ampliada pelo Ato Institucional de nº. 2, em 27 de outubro de 1965, para 16 membros, no período do golpe militar em 1964.

Este número foi mantido na Constituição de 1967.

Mas, em 1969, com o Ato Institucional de nº. 6 foi reduzido a onze ministros, onde três ministros foram afastados de forma compulsória.

Costa e Silva aposentou, compulsoriamente, os juízes Victor Nunes Leal e Hermes Lima.

A Constituição de 1988 manteve o número de 11 membros dos ministros do STF, mas voltou a fixar a idade limite em 65 anos para a nomeação dos seus membros, como reza o artigo 101.

Tramitam no Congresso Nacional algumas sugestões para a Reforma do Judiciário, que tem como propósito a alteração da estrutura da Corte e da forma de escolha dos seus integrantes.

Como exemplo dessas PECs (Proposta de Emenda Constitucional), temos a sugestão da Associação dos Juízes Federais (AJUFE), que propôs à Comissão de Constituição e Justiça do Senado que: “a escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal fosse precedida de edital em que se facultará a apresentação de sugestões de nomes por parte de partidos políticos com representação no Congresso Nacional, faculdades de Direito, entidades de âmbito nacional constituídas há mais de cinco anos, bem como associações representativas de magistrados, membros do Ministério Público e advogados” (Silva, 2002: pp. 83-84).

A proposta tem como argumento a ampliação da participação de magistrados e a limitação do Poder Executivo no processo de escolha para o STF.

Pelo o que vimos, passados 12 anos da publicação de meu livro, isso não andou.

Desde os primórdios da história brasileira houve forte interferência do Poder Político no Supremo Tribunal Federal.

Tal interferência não se limitou apenas ao fato de que o Chefe do Poder Executivo designa de forma quase que majoritária os membros dessa Corte.

Ingerências administrativas por parte dos vários Presidentes da República que tivemos no Brasil também foram frequentes, assumindo um caráter mais arbitrário que a escolha dos ministros do STF.

No período que Floriano Peixoto fora presidente o STF foi fechado por ordem sua.

Ele foi de encontro ao alargamento dos casos de concessão de Habeas Corpus, fato este que consolidava a jurisprudência como um poder oponível a ação do Governo (Estado).

Foi pressionado e reabriu a Corte, mas, mesmo assim, nomeou para cargos no STF dois generais e um médico, onde este, Barata Ribeiro, atuou por um ano nesse Tribunal antes de ser rejeit