Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Em time que está perdendo não se mexe.

Com a posse do cardiologista Marcelo Queiroga no Ministério da Saúde Jair Bolsonaro assume pela quarta vez o Ministério da Saúde.

A frase está certa, não é resultado de uns goles a mais de cloroquina gelada com água de coco.

Desde quando tomou posse, em janeiro de 2019, o presidente decidiu acumular suas funções com as de ministro da Saúde.

Os médicos Luiz Mandetta e Nelson Teich, os primeiros nomeados para o cargo, recusaram o encosto e deixaram o governo.

Coube então ao general Eduardo Pazuello, especialista em logística, formar a nova dupla com Bolsonaro. “Ele manda e eu obedeço”, explicou o general.

Deu no que deu: fora de controle, a pandemia da covid-19 terá infectado, até o final do mês, 12 milhões de brasileiros e matado 300 mil.

Os mortos poderão superar meio milhão em dezembro.

O país registra o maior número de vítimas por dia no mundo e está se transformando em nascedouro de variantes do vírus.

O colapso dos sistemas de saúde atinge todos os estados.

A imediata vacinação em massa conteria o pandemicídio.

Mas faltam vacinas.

Bolsonaro e Queiroga assumem o ministério no meio dessa tragédia.

Como primeiro ministro nos idos de Mandetta e Teich, a atuação do presidente foi desastrosa: tratou a doença como “gripezinha”, depois como “resfriadinho” e chamou de “maricas” os que temiam seus efeitos mortais.

Boicotou sistematicamente medidas de prevenção, como o uso de máscaras, e participou de aglomerações.

Alertado de que o número de mortos chegara a 100 mil, ironizou: “E daí?

Não sou coveiro”.

A nova dupla de ministros da Saúde tem um enorme desafio, agravado pelo tempo curto para vencê-lo.

O descontrole da pandemia no Brasil tornou-se uma preocupação internacional, a ponto de levar a Organização Mundial de Saúde a exigir providências urgentes do governo brasileiro.

Nenhum infectologista tem condições de afirmar que o ministro nº 2, o cardiologista Queiroga, reúne condições de encarar Bolsonaro, o ministro nº 1.

E se o nº 1 determinar ao nº 2 que continue a comprar e distribuir cloroquina – um medicamento comprovadamente ineficaz contra o vírus – como fez Pazuello, sem contestação?

E se o nº 1 exigir do nº 2 que entre em confronto com os governadores, por estarem se valendo da pandemia para fazer oposição ao governo?

E se o número de infectados e mortos não parar de crescer, Queiroga entregará o cargo e Bolsonaro nomeará o quinto ministro da Saúde no meio do caos do morticínio?

O desgaste do presidente junto à população dá saltos.

Segundo pesquisa do Datafolha, publicada no dia 17 de março, 54% dos brasileiros consideram ruim ou péssima sua atuação na pandemia.

O percentual na pesquisa anterior, de 21 de janeiro, foi de 48%.

Apenas 22% opinaram que a gestão de Bolsonaro na crise sanitária é ótima ou boa.

Pior: 43% dos entrevistados apontam que Bolsonaro é o maior culpado pela situação crítica da saúde, enquanto 17% atribuem a culpa aos governadores e 9% aos prefeitos.

Para observadores atentos, os índices eram previsíveis.

A omissão, incompetência e demofobia do presidente, diante da mortandade provocada pela pandemia, escancaram no seu flanco uma ferida político-eleitoral.

A oposição sabe disso e cuida de aprofundá-la, torná-la um dos eixos da campanha presidencial do próximo ano.

Por enquanto, Jair Bolsonaro tem pouco a fazer até que se acelerem as articulações políticas.

Passou a usar máscara, evita aglomerações e liberou recursos para uma campanha de comunicação urgente contra o vírus.

Daqui a pouco vai se deixar fotografar e filmar sendo vacinado.

A manobra permitirá que sejam revertidos seus índices de rejeição no combate ao vírus, que ameaçam corroer o projeto de reeleição?

Talvez.

A manobra não se resume aos cuidados epidérmicos como o uso da máscara.

Abrange o pagamento da nova versão do auxílio emergencial, o estreitamento dos laços com o centro-direita e a tentativa de um relacionamento civilizado com o Supremo Tribunal Federal.

A mesma pesquisa Datafolha, que constatou sua desaprovação no enfrentamento da pandemia, conclui que um terço dos brasileiros continua a aprovar o seu governo, de modo geral.

Uma base sólida que, transformada em votos, pode levá-lo ao segundo turno em 2022.

Dessa forma, o morticínio do pandemicídio, isoladamente, não seria suficiente para derrotar Bolsonaro no próximo pleito presidencial.

A crise econômica teria de recuar muito e, com ela, o desemprego.

E a oposição chegar a uma candidatura que aliasse a esquerda ao centro e escapasse da polarização radical que deseja o presidente. É possível?

Talvez.

Tudo passará pela vitória sobre a covid-19 ou, pelo menos, da sua contenção.

Nesse sentido, os dois ministros da Saúde – Bolsonaro e Queiroga – precisam ser muito eficientes.

Não há tempo nem desculpa para novos erros.

Os dias à frente serão difíceis.

Entre tantas outras coisas, definirão o futuro de um dos piores governos da história do Brasil.