Por Rodrigo Augusto Prando Em 2020, logo após o carnaval, retomei minhas aulas na universidade.

Sabíamos do novo coronavírus.

Em pouco tempo, colegas e alunos comentavam que as aulas em outras universidades e escolas estavam sendo suspensas.

Não tardou e, também, passamos à condição de aulas on-line.

Neste momento, entendi a gravidade da situação quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou que o que vivíamos era uma pandemia.

Pandemia.

Não a pandemia dos filmes de ficção ou das aulas de história.

Busquei, à luz da razão, estabelecer uma meta para finalizar 2020: terminar vivo, com emprego e com sanidade mental.

Felizmente, consegui.

Mas, há muito, para mim, vitórias pessoais são pouco importantes no bojo de uma desgraça sem precedentes em nossa sociedade.

Milhões de brasileiros terminaram o ano passado sem comemorar, destroçados pela doença, morte, desemprego, doenças mentais.

Analisar a política brasileira - como tenho feito nos últimos anos - numa situação pandêmica foi um desafio e, ainda, uma profunda tristeza levando em conta os dados objetivos da realidade.

Faz um ano que o primeiro caso de covid-19 foi diagnosticado em nosso país.

Neste um ano, perdemos para a doença, 250 mil vidas; só no dia 25 de fevereiro, foram 1.582 mortes.

Politicamente, o Presidente Bolsonaro manteve sua retórica e prática da confrontação, de seu “presidencialismo de confrontação”.

Numa situação que poderia exercer sua liderança, seus conhecimentos militares e transformar o vírus num inimigo a ser vencido, com isso dando o exemplo, seguindo a ciência e ganhando capital político, nosso presidente escolheu, conscientemente, ser um aliado da doença.

Deixou claro na troca dos Ministros da Saúde até encontrar um general disposto a seguir suas ordens.

Num misto de negacionismo, fake news, teorias da conspiração e pós-verdades caminhamos na contramão de outros países.

Nós, brasileiros, hoje, somos motivos de escárnio, pena, assombro e vetores de risco para os estrangeiros.

Somos párias internacionais.

Quem poderia imaginar um governo que lutaria, com força, contra uma vacina?

Países que seguiram as recomendações - distanciamento social, lockdown e vacinação em massa - já se preparam para um possível retorno à normalidade.

Nós, brasileiros, normalizamos o anormal.

Seguimos com mais de 1.000 vidas perdidas por dia e naturalizamos.

Assistimos socialmente anestesiados a morte por asfixia pela falta de oxigênio, na UTI temos pacientes amarrados pela falta de sedativos, sistema de saúde (público e privado) colapsado em vários estados; mas há festas, baladas, praias lotadas, resistência no uso de máscaras.

A pandemia agudizou os problemas históricos e estruturais de nossa sociedade: as desigualdades de renda e de oportunidade, a educação pública e privada, a diferença na contaminação e na sobrevivência de brancos e negros, o home office que desnuda o abismo entre os que podem se manter em casa e os que, cotidianamente, precisam enfrentar horas no transporte público precário e lotado para se deslocar da casa para o local de trabalho.

Num triste realismo político, vislumbrei, pela amostra que já tínhamos, que não poderíamos esperar muito do Governo Federal.

Colocamos nossas esperanças nos prefeitos e governadores, mas estes, muitas vezes, estiveram desbussolados dada a gravidade e ineditismo do cenário em tela.

Imaginei, num lampejo de esperança, que a união de políticos sérios e comprometidos, das lideranças empresariais, das Organizações do Terceiro Setor e dos cidadãos pudessem trazer criatividade e possibilidades de superação de nossas mazelas.

Errei.

Nossa sociedade irá, provavelmente, premiar, no futuro, os negacionistas e punir os que foram sérios, conscientes e empáticos.

Já perdemos.

Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.