Por Ricardo Leitão Em 2018, candidato à Presidência da República, o capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro foi aconselhado, por representantes de altas patentes, a convidar para ser o vice na sua chapa o general da reserva do Exército Hamilton Mourão.
A parceria interessava aos dois lados.
A Bolsonaro, por Mourão significar a chancela de coturnos estrelados ao seu projeto eleitoral; às altas patentes, por presumir que o futuro vice-presidente poderia conter as explosões de ira de Bolsonaro – conhecido na Academia Militar das Agulhas Negras como “Cavalão”.
Não deu certo.
Apesar das tentativas de apaziguar confrontos, Mourão foi cada vez mais isolado na tomada de decisões do governo; tornou-se alvo de insultos nas redes sociais bolsonaristas; chamado de “palpiteiro” pelo presidente e excluído da ultima reunião ministerial.
Na gestão federal, o que lhe cabe é coordenar o Conselho Nacional da Amazônia Legal, onde sequer têm assento os governadores da região.
Episódios pontuais confirmam o crescente afastamento entre o presidente e o vice.
Por exemplo: Bolsonaro desautorizou Mourão, quando este sugeriu a desapropriação de terras em caso de crimes ambientais; Mourão criticou a politização do debate sobre as vacinas contra a pandemia, o que atingiu Bolsonaro; o presidente, em retaliação, vetou a presença do vice, como representante do Brasil, na COP-26, conferência do clima das Nações Unidas.
Hamilton Mourão é um oficial respeitado pela tropa.
Assumiu comandos no Rio Grande do Sul e no Amazonas; representou o Brasil em missões em Angola e na Venezuela; é Mestre em Operações Militares e Doutor em Ciências Militares e encerrou sua carreira de cinco décadas no Exército como Secretário de Economia e Finanças do Alto Comando, em Brasília.
Ao ser convidado por Bolsonaro, em 2018, era presidente do Clube Militar, no Rio de Janeiro, instituição de forte influência junto ao oficialato.
Há marolas na caserna porque Bolsonaro pretende defenestrar Mourão de sua chapa, em 2022, e substituí-lo pelo atual ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, engenheiro que deixou a carreira militar com a patente de capitão.
O ministro é discreto, eficiente e não tem base política, o que – surpreendentemente – seria mais um de seus méritos.
Nos cálculos de Bolsonaro: sem essa base, Tarcísio de Freitas, como vice, enfrentaria dificuldades para articular o impeachment do presidente, do qual seria o primeiro beneficiado.
Ao contrário do que faria Hamilton Mourão, na avaliação do núcleo duro bolsonarista.
Existem reações a uma chapa, em 2022, de novo formada exclusivamente por militares.
Seria prudente, depois de quatro anos da primeira gestão, fugir da acusação de que mais uma vez vigoraria no Brasil um governo militar e não apenas um governo com a participação de militares.
Estratégias eleitorais também devem ser consideradas.
Como Mourão, Tarcísio de Freitas é do Sudeste, região onde – ao lado do Sul – é maior o apoio a Bolsonaro.
Diferente do Nordeste, que derrotou o presidente em 2018 e nas eleições municipais de 2020.
Recomenda-se, portanto, um vice nordestino, de preferência civil.
Qual seria a reação dos militares a esse arranjo?
As Forças Armadas estão sendo privilegiadas por Bolsonaro.
Nem na ditadura, tantos oficiais assumiram postos no primeiro escalão, incluindo ministérios.
No Orçamento da União deste ano o presidente reservou para as Forças Armadas R$ 110,7 bilhões, ante R$ 105,6 bilhões em 2020.
Por outro lado, o orçamento do Ministério da Saúde, às voltas com a tragédia da pandemia, perdeu R$ 2,2 bilhões de um ano para o outro.
Porém, acreditar que a fidelidade dos militares dependerá do fluxo de verbas para as tropas é um raciocínio perigoso.
Até aqui, os comandantes, em raras notas oficiais, têm reiterado a obediência à disciplina, à hierarquia e à Constituição.
Existe alguma coisa que pode fazê-los negar estes princípios?
Sim: a radicalização política, a agitação social e a possibilidade concreta de a esquerda retomar o poder em 2022.
Foi o que aconteceu em 1964. É um dos cenários com o qual o “Cavalão” trabalha.
Para tanto, estimular marolas na caserna pode ajudar.
Manter-se no poder, a qualquer preço, é muito mais importante do que firulas democráticas.
Chiliques dessa ordem, como ele já disse, são coisa de maricas.