Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Impeachment não é golpe, mas um processo político-criminal ao término do qual uma autoridade pública pode – ou não - perder seu cargo e poderes.
Todas as democracias, como o Brasil, têm, em suas constituições, esse poderoso instrumento de defesa do Estado.
Variam apenas as denominações: impedimento, destituição e moção de censura, por exemplo.
O debate sobre o impeachment do Presidente Jair Bolsonaro volta a se aquecer, agora insuflado pelo desastroso desempenho do Governo Federal no combate à pandemia da covid-19.
Mais um episódio de incompetência, a se juntar a tantos outros, desde o início da gestão, fazendo de Sua Excelência culpado por crime de responsabilidade. É a tese de juristas renomados, como Ayres Brito, ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, e o argumento de boa parte dos 58 pedidos de abertura de processos de impedimento protocolados na Câmara dos Deputados.
As vitórias dos candidatos de Bolsonaro para as presidências da Câmara dos Deputados – Arthur Lira – e do Senado – Rodrigo Pacheco – podem retardar a abertura de um desses processos.
No entanto, a depender da evolução dos quadros econômico, social e político, não teriam condições de procrastiná-la indefinidamente.
Os dois presidentes são integrantes do Centrão, agrupamento de centro-direita notório por sua voracidade por cargos e verbas públicas e ojeriza a governos impopulares.
O Capitão prometeu cevá-lo.
E, ao mesmo tempo, conter quedas de popularidade.
Do contrário, caberá a máxima de Brasília: “O Centrão não segura alça de caixão”.
Segundo os cálculos do sempre informado serpentário político, Bolsonaro precisa de cinco pilares para se manter na Presidência: maioria no Congresso; fim da pandemia; recuperação da economia; imobilidade da oposição, especialmente nas ruas, e a recusa das Forças Armadas de se envolver em qualquer aventura golpista.
A maioria do Congresso por enquanto, ele já tem garantida.
O fim da pandemia irá demorar, mas sua gravidade tende a se reduzir com a vacinação em massa.
Isso deve estimular novos investimentos e melhores índices de crescimento da economia, com redução do desemprego.
Restam a pressão popular nas ruas, reivindicando o impeachment, e o compromisso constitucional das Forças Armadas, na hipótese do agravamento das crises.
Nas ruas, multidões poderão ser mobilizadas pela oposição, como movimento político antecipador da campanha presidencial de 2022.
Foi o que aconteceu no processo de impeachment do presidente Fernando Collor.
Quanto às Forças Armadas, apesar do profissionalismo demonstrado nas últimas décadas, cabe uma interrogação: elas contribuirão para a queda de Bolsonaro, sem ter certeza do efeito nas eleições de 2022?
Cabem apostas.
Até porque o presidente, mesmo à frente do pior governo da história do País, não é um morto-vivo.
Também reúne condições de mobilizar multidões e milicianos nas ruas, algumas deles armados, se necessário.
Sua relação com as Forças Armadas é melhor do que a de qualquer líder da oposição.
Generais e outros oficiais de alta patente ocupam altas funções e, à exceção do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, nenhum outro contribui tanto para o tumulto administrativo generalizado.
Deputados Federais e Senadores acompanham de perto o desenrolar de conjuntura tão intrincada.
Deles depende, em última instância, o futuro de um processo de impeachment do Capitão.
Porém, em suas contas também entram outros cálculos: em 2022, valerá ou não ser aliado de Bolsonaro?
Parece uma pergunta cínica, desprovida de qualquer conteúdo ideológico, no entanto para muitos é simples assim.
Jair Bolsonaro pode tentar a reeleição como candidato competitivo.
Apesar de sua inaptidão para governar e da escolha de um ministério sem rumo, ele conserva o apoio de um terço dos brasileiros.
Seu discurso extremista dialoga com essa parte da população, que não é pequena: em 2022, segundo pesquisas recentes, teria o apoio de aproximadamente 30% dos eleitores, superando qualquer adversário à esquerda ou à direita.
Em tal contexto é admissível considerar que, no momento, um processo de impeachment teria dificuldades de tomar corpo e reunir mais adeptos.
Isso não impede que o debate seja travado, envolvendo políticos, juristas e instituições sociais.
A Constituição permite que isso ocorra, dentro dos princípios democráticos.
Bolsonaro já fez muito mal ao Brasil.
Sua capacidade de ainda causar muito mais danos é infinita.
A vitória de seus candidatos para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado lhe deu precioso tempo.
O combate à pandemia pode servir para desviar atenções.
Daqui a pouco se intensificam as articulações para a sucessão presidencial e das outras eleições de 2022.
Não haverá mais tempo para se tratar do impeachment.
Então, impeachment já?