Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Nem mesmo os mais pessimistas admitiriam que, depois dos mortos por asfixia no Amazonas, o governo de Jair Bolsonaro iria produzir uma tragédia ainda maior.

Menosprezaram a insuperável incompetência da turma do Capitão.

Aos fatos: só haverá estoque de vacinas suficiente para imunizar os brasileiros contra a covid-19 até o final desse mês, no máximo até a primeira semana de fevereiro.

E, ainda assim, apenas um percentual ínfimo da população será beneficiado.

O restante dependerá de negociações com a Índia e a China.

No momento, o Brasil dispõe de 8 milhões de doses, para atender uma população de 212 milhões de pessoas.

Do total, 6 milhões foram importadas da China e 2 milhões da Índia.

O plano do Ministério da Saúde era que as importações continuassem até que o Instituto Butantan, em São Paulo, e a Fiocruz, no Rio, começassem a produção no país.

As importações cessaram e a fabricação nacional não foi iniciada.

Enquanto isso, milhares de brasileiros morrem e são infectados todos os dias.

Quem é o responsável?

Trata-se de um trabalho coletivo, no qual se destaca o primeiro escalão bolsonarista, além – é claro – de Sua Excelência.

Meses atrás, o Brasil se opôs à Índia em negociações internacionais sobre patentes de medicamentos – segmento industrial em que os indianos são líderes mundiais.

Pouco tempo depois, a China foi hostilizada pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, em meio a um bate-boca público no qual o filho do presidente foi descascado pelo embaixador da China.

Cavou-se um fosso profundo.

O peso da Índia nas exportações do Brasil é pequeno, mas a China ocupa posição essencial: maior importador de produtos nacionais, especialmente do agronegócio.

Com a pandemia, tornou-se ainda mais importante.

O país é produtor do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), insumo fundamental para a fabricação das vacinas pelo Instituto Butantan e a Fiocruz.

Há quase um mês, a China alega questões burocráticas para não despachar o IFA para o Brasil.

Enquanto isso, mais de mil brasileiros morrem por dia.

A irresponsabilidade é maior porque, com o insumo nas mãos, a Fiocruz, por exemplo, tem condições de produzir 210 milhões de doses de vacinas neste ano.

Somando-se ao que poderia entregar o Instituto Butantan e importações de outros países, o Brasil estaria com estoque suficiente apara combater a segunda onda da pandemia.

No entanto, nada disso acontece: o estoque de 8 milhões deve acabar logo; o Butantan e a Fiocruz não estão produzindo e os chineses punem os insultos brasileiro com o silêncio.

Enrolados na crise, que fazem o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o “príncipe do Itamaraty”, e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o “rei da logística”?

Nada.

Araújo foi afastado da interlocução diplomática com a China, por notória incompetência.

Pazuello repete que o IFA chegará, porém não informa em que dia “D” e em que hora “H”.

Enquanto isso, avança para 300 mil o número de brasileiros mortos pela covid-19.

No estilo em que se consagrou, Jair Bolsonaro procura em quem jogar a culpa.

Evita lançá-la no colo de Araújo, porque ele é um dos representantes da direita no governo e conta com o apoio de seus filhos.

Também não cabe a culpa a Pazuello, um obediente general, inepto em questões de saúde porém defensor incansável da cloroquina.

Apontaria então o dedo acusatório para os que não usam máscara; se aglomeram; quebram o isolamento social.

Mas como – questionaria Sua Excelência – se eu faço tudo isso todos os dias?

Cogita-se da possibilidade, mesmo remota, de culpar Joe Biden, o novo presidente dos Estados Unidos, algoz do grande líder Donald Trump.

Na avaliação do núcleo duríssimo do bolsonarismo, Biden, com sua política liberal, será um adversário do Brasil.

Ele vai mobilizar todas as forças para fazer o país se dobrar aos interesses dos Estados Unidos.

Uma submissão que, por seu lado, também é conveniente à China.

Garroteando o Brasil, as duas superpotências repartiriam o mundo.

Nesse sentido, agravar a pandemia é um caminho estratégico.

Nada mal para Jair Bolsonaro, que por fim teria em quem jogar a culpa pelo caos fantástico, pelos infectados, pelos mortos.

O Capitão é um gênio da raça.