Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog Diante do desespero dos médicos, a dor dos parentes e amigos e o testemunho horrorizado de milhões de pessoas, dezenas de brasileiros morreram asfixiados em hospitais de Manaus, no Amazonas.
Com os pulmões infectados pelo vírus da covid-19, só tinham condições de respirar com o auxílio de balões de oxigênio.
Mas não havia oxigênio e assim se foram, em agonia, como se estivessem se afogando.
Cada um deles pereceu duas vezes.
Na primeira, vitimado pela pandemia; na segunda vez, assassinado pela incompetência criminosa e a omissão conivente de autoridades de todos os escalões.
Do Presidente da República ao Ministro da Saúde; do Governador do Amazonas ao mais obscuro vereador da Câmara Municipal de Manaus.
Por que abandonar à morte por asfixia homens, mulheres e crianças que só queriam respirar para sobreviver?
A resposta é o silêncio.
Dois dias antes da crise do oxigênio se agravar, o Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, visitou Manaus.
Reuniu prefeitos do estado, posou para fotos e retornou a Brasília.
Quando foi informado do crescimento das mortes por asfixia, lamentou que, naquele momento, o avião da FAB adaptado para transportar cilindros de oxigênio estivesse em manutenção.
Um novo apoio logístico teria de ser providenciado.
Os que se sufocavam esperariam um pouquinho.
Como de praxe, Jair Bolsonaro jogou a culpa em alguém.
Sobrou para o Supremo Tribunal Federal que, segundo ele, proibira o Governo Federal de atuar nos estados, em ações relacionadas à pandemia. É mentira: o STF assegurou a autonomia dos estados e dos municípios em ações dessa natureza, diante da urgência da situação, no entanto atribuiu ao Governo Federal a responsabilidade de coordená-las.
Nada disso aconteceu e a crise em Manaus se transformou na maior tragédia humanitária nos 11 meses de pandemia no Brasil.
Um desastre apontado pela Organização Mundial de Saúde como exemplo que nunca deve ser repetido.
Podem se surpreender apenas os que não têm memória.
Atenta aos cuidados diplomáticos, a OMS foi condescendente com o governo brasileiro e Bolsonaro.
Os mortos por asfixia são o o mais recente episódio de uma série iniciada há um ano, quando Sua Excelência tratou a covid-19 como “uma gripezinha”.
Em seguida, repetidas vezes, desdenhou das orientações dos epidemiologistas.
Hoje o Brasil avança com rapidez para os 300 mil mortos – o segundo maior número do mundo, superado apenas pelos Estados Unidos.
Há um temor crescente de que o governo seja incapaz de controlar a expansão da doença, o que reaviva articulações pelo impeachment de Jair Bolsonaro.
Já são 61 os processos protocolados na Câmara dos Deputados.
Depende do presidente da Casa, Rodrigo Maia, adversário de Sua Excelência, demarrar qualquer um deles – motivado, por exemplo, pelo descalabro administrativo no enfrentamento da pandemia. “Processos de impeachment?
Isso não vale nada”, rebate Bolsonaro. “Só Deus me tira daqui.
Não existe nada de concreto contra mim.
Me tirar na mão grande, não vão me tirar”.
A possibilidade do impeachment ganhará força se, na eleição do presidente da Câmara dos Deputados, no próximo mês, vencer um candidato apoiado por adversários de Sua Excelência.
A disputa está acirrada e a oposição cresce à medida que se multiplicam os números de infectados e mortos pela pandemia.
O início da vacinação não vai alterar esse quadro, a curto prazo.
Continuam faltando vacina, seringas e agulhas.
Há um cheiro amargo no ar, um cansaço geral, quando se relembra que o mandato desse Presidente da República vai se estender até dezembro de 2022. É como se uma asfixia coletiva impedisse os brasileiros de respirar, corroendo lentamente as nossas esperanças.